Vista do povoado de Qunu, onde Mandela, o pai da Nação, deverá ser enterrado (©afp.com / Carl de Souza)
Da Redação
Publicado em 9 de dezembro de 2013 às 22h34.
Cidade do Cabo - Os três eucaliptos azuis sob os quais Nelson Mandela aprendeu a ser um líder ainda estão em Mqhekezweni, o Grande Lugar, próximo a Qunu, a antiga sede dos reis da tribo abaThembu, na província do Cabo Oriental, na África do Sul.
Sob essas árvores, mais de 80 anos atrás, anciãos e líderes tribais se encontravam para discutir desde a seca até as leis impostas pelo governo branco. Todos, ouviu o jovem Mandela quando se escondeu nas proximidades para escutar, eram livres para falar.
Em 15 de dezembro, Qunu será o local do enterro do homem que governou pelos princípios do Grande Lugar, como primeiro presidente democraticamente eleito da África do Sul. Mandela, que morreu em 5 de dezembro aos 95 anos de idade, é lembrado por líderes de todo o mundo por ter sido o homem que tirou seu país da discórdia racial depois de passar 27 anos na prisão sob o apartheid. Em Qunu ele é isso, mas também uma presença física e pessoal.
“Madiba era como um pai para cada uma das pessoas daqui”, disse Zebron Sandlana, 67, usando o nome tribal de Mandela. Sandlana cresceu a cerca de 1,6 quilômetro da casa onde Mandela viveu com a mãe e conheceu sua família. “Quando ele vinha aqui para o Natal, costumava visitar todas as casas para cumprimentar todas as pessoas”.
Sandlana apontou para uma igreja ao longe. “Ele a construiu para nós”, disse ele. “Ele fez muitas coisas por nós. Foi a maneira como ele deu apoio à nossa comunidade”.
Lições de reconciliação
Foi durante as reuniões no Grande Lugar que Mandela aprendeu sobre liderança e consenso para a tomada de decisões. Após sua eleição, em 1994, Mandela estendeu a mão para seus antigos opressores, formando um governo de unidade nacional com o ex-presidente F.W. de Klerk.
Ele promoveu a reconciliação por meio de atos simbólicos, incluindo o de tomar um chá com Betsie Verwoerd, viúva de Hendrik Verwoerd, o pai do apartheid. Esses atos lhe renderam críticas de alguns de seus companheiros. Em sua terra natal, isso não foi nada menos que o esperado de um líder.
“Isso foi democracia em sua forma mais pura”, escreveu Mandela em sua autobiografia “Um longo caminho para a liberdade”, de 1994. “Como líder, eu sempre segui os princípios que vi manifestados pela primeira vez pelo regente do Grande Lugar. Eu sempre procurei ouvir o que cada pessoa tinha a dizer em uma discussão antes de arriscar minha opinião. Muitas vezes, a minha opinião simplesmente representará um consenso do que eu escutei na discussão”.
Chefe local
Mandela nasceu em 1918, em Mvezo, vila ancestral de sua família às margens do rio Mbashe, cerca de 1.200 quilômetros ao leste da Cidade do Cabo. Seu pai, Gadla Mphakanyiswa, era o chefe local e um descendente do rei abaThembu Ngubengcuka, morto em 1832. Embora membro da família real, Mandela não estava na linha de sucessão para o trono Thembu porque sua avó não era a primeira esposa de Ngubengcuka.
Após a morte do pai, o jovem Nelson Mandela se mudou com sua mãe para Qunu, uma vila maior, ao leste. Em seu livro, Mandela descreveu Qunu com um vale com grama, cortado por córregos cristalinos e cercado por colinas verdes. As pessoas viviam em cabanas circulares com paredes de barro, sob telhados de palha.
Em seus anos como presidente, Mandela levou estradas pavimentadas e eletricidade, além de uma escola, para Qunu. O que ele e seus sucessores não conseguiram levar foram empregos. Cerca de um quarto da força de trabalho do país está desempregada; no Cabo Oriental, onde fica Qunu, a taxa é de 50 por cento.
“Nós fomos a primeira vila nessa região a ter eletricidade e temos água e escolas”, disse Lungile Xozwa, que cresceu em Qunu e frequentou a mesma escola primária que Mandela, agora equipada com um laboratório de informática. “Ele era como um pai para nós. Nós temos muito que agradecer por aqui”.
Alizwa Sizani, 64, que mora perto de Mqhekezweni, o Grande Lugar, e veio para a casa de Mandela em 6 de dezembro para prestar uma homenagem, concorda.
“Ele nos deu muitas coisas, mas nós ainda precisamos de empregos para a juventude”, disse ele. “Quando eles não têm nada para fazer, eles entram para o crime. Não tem nada para eles aqui”.