Londres: "depois de consultar meus colegas e diante da situação no Parlamento, eu não posso ser essa pessoa", disse Johnson (Peter Nicholls / Reuters)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2016 às 14h16.
A corrida para suceder David Cameron à frente do governo britânico sofreu nesta quinta-feira uma reviravolta digna das tragédias de Shakespeare, com a desistência de Boris Johnson horas depois de ser traído por seu colega Michael Gove, que, inesperadamente, candidatou-se ao cargo.
Johnson, o homem que liderou a campanha vitoriosa para tirar o Reino Unido da União Europeia, anunciou que não será candidato nas primárias conservadoras, minutos antes do encerramento do prazo, ao meio-dia.
Fez isso em um discurso no qual começou parafraseando Brutus, filho e assassino do imperador romano Júlio César, segundo a versão dos fatos da obra William Shakespeare.
"Depois de consultar meus colegas e diante da situação no Parlamento, eu não posso ser essa pessoa", disse Johnson após enumerar os desafios esperados do novo primeiro-ministro britânico.
A divisão no campo Brexit abre caminho para a ministra do Interior, Theresa May, partidária da UE, mas pouco exposta durante a campanha, que também oficializou sua candidatura.
Para o ministro da Saúde, Jeremy Hunt, a saga vivida nesta quinta-feira "se parece um pouco com a série de televisão 'House of Cards', ou talvez muitos políticos vejam 'Game of Thrones'", disse à rede de televisão Sky News.
Michael Heseltine, uma figura conservadora que já foi o número dois do partido, foi mais duro, lamentando que Boris Johnson se retire sem consertar os danos provocados com a vitória do Brexit.
"Destruiu o partido. Provocou a maior crise constitucional dos tempos modernos. Fez bilhões de libras das economias do país desaparecerem. É como um general que lidera seus homens ao som das armas e os abandona ao ver o campo de batalha", disse Heseltine à BBC.
De Júlio César a Macbeth
O ministro britânico da Justiça, Michael Gove, outro dos líderes pró-Brexit, surpreendeu ao anunciar que buscará suceder Cameron.
O anúncio de Gove lembrou outro drama de Shakespeare, Macbeth, e sua ambiciosa esposa, porque foi precedido por uma mensagem de sua própria esposa, a jornalista Sarah Vine, sugerindo que desconfiasse de Johnson.
Vine enviou a mensagem por engano a outras pessoas e o texto acabou se espalhando.
Gove disse nesta quinta-feira que "Boris não pode fornecer a liderança" necessária para os desafios que se aproximam, como negociar a ruptura com a União Europeia, razão pela qual decidiu se somar à disputa.
"Disse reiteradamente que não queria ser primeiro-ministro. Essa sempre foi minha opinião. Mas os acontecimentos desde a última quinta-feira tiveram um grande peso", explicou Gove no comunicado.
"Em particular, queria ajudar a construir uma equipe para Boris Johnson, de modo que um político que defendeu a saída da União Europeia nos liderasse a um futuro melhor".
"Mas cheguei, com relutância, à conclusão de que Boris não pode fornecer a liderança ou construir a equipe para a tarefa que se aproxima", sentenciou Gove.
Gove é "Lord Macbeth", respondeu o político nacionalista escocês Alex Salmond, lembrando que primeiro havia acabado com Cameron e agora com Johnson.
May: Brexit é Brexit e não há volta
Por sua vez, May também anunciou sua candidatura, afirmando ser a pessoa ideal para "unir e governar no melhor interesse" do Reino Unido após os últimos acontecimentos.
May prometeu que, se vencer, não adiantará as eleições legislativas, previstas para 2020, e esperará o próximo ano para ativar o artigo 50 dos tratados europeus para romper com a UE.
A ministra, de 59 anos e no governo desde 2010, também disse que não há volta na decisão de romper com a UE: "Brexit significa Brexit", afirmou, descartando um segundo referendo ou "um reingresso na UE pela porta dos fundos".
Os cinco candidatos que buscam suceder Cameron são May, Gove, o secretário de Estado de Trabalho e Aposentadorias, Sephen Crabb, o ex-ministro da Defesa Liam Fox e a sexretária de Estado de Energia Andrea Leadsom.
Como há mais de um candidato, os deputados elegerão dois finalistas. Ambos serão, então, submetidos ao voto dos 150.000 afiliados. No dia 9 de setembro será conhecido o novo líder conservador e primeiro-ministro.