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Líder da máfia calabresa realiza fuga espetacular no Uruguai

Rocco Morabito, ou "o rei da cocaína de Milão", escapou com outros três comparsas faltando poucas semanas para ser extraditado para a Itália

Polícia italiana: autoridades cobram explicações do Uruguai após líder da máfia calabresa, que ficou foragido por 23 anos, escapar da prisão na capital do país (Getty Images/Getty Images)

Polícia italiana: autoridades cobram explicações do Uruguai após líder da máfia calabresa, que ficou foragido por 23 anos, escapar da prisão na capital do país (Getty Images/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 25 de junho de 2019 às 19h19.

Um dos principais chefes da máfia calabresa 'Ndrangheta fugiu da prisão em que estava detido desde 2017, no Uruguai. Rocco Morabito, conhecido como "o rei da cocaína de Milão", escapou com mais três comparsas do Presídio Central em Montevidéu, por um buraco no teto. Ele seria extraditado para a Itália nas próximas semanas.

Segundo o Ministério do Interior do Uruguai, Morabito, de 53 anos, conseguiu abrir um buraco no teto do presídio e, com outros três presos que também aguardavam extradição para o Brasil e a Argentina, entraram em um túnel para tubulação de ar que fica entre o sexto andar e o telhado do presídio, atravessaram por dentro da tubulação através do teto de um supermercado para chegar ao terraço de um prédio geminado ao Presídio Central.

"É desconcertante e algo muito sério que um criminoso como Rocco Morabito, chefe da 'Ndrangheta', tenha conseguido escapar de uma prisão no Uruguai, onde estava aguardando a extradição", declarou o ministro italiano do Interior, Matteo Salvini. "Pedimos explicações imediatas ao governo do Uruguai", escreveu o ministro italiano em nota divulgada à imprensa. "Vamos caçá-lo onde esteja".

A aposentada Élida Ituarte, de 80 anos, estava deitada em sua cama, tentando dormir, quando viu a luz da sala acender e ouviu barulhos. Eram 23h30 de domingo (horário de Brasília). Trêmula, se levantou e foi até o local. Ali, no quinto andar do edifício geminado ao prédio do Presídio Central de Montevidéu, na capital do Uruguai, três homens encaravam Élida.

"O mais alto disse com uma voz calma, mas impaciente, "me dê a chave, me dê a chave", relatou Élida para uma emissora de televisão uruguaia. "Perguntei quem eram e como entraram na minha casa, e ele respondeu com sotaque forte, 'somos do consórcio, chegamos para consertar um cano no prédio'". Élida diz que havia deixado a janela aberta "por causa do atípico calor que fazia". No domingo, fez 23 graus durante o dia, e à noite a temperatura chegou a 18 graus.

O homem alto que falava com Élida era Rocco Morabito. Sem saber que eram criminosos, Élida diz ter ficado 15 minutos conversando com ele, enquanto buscava as chaves da porta sem encontrar, por causa do nervosismo. "Eles não me ameaçaram, os outros dois, mais jovens, apenas observavam, e o mais alto, com sotaque francês ou italiano, conversava calmamente comigo. Quando achei as chaves, entreguei a ele e eles fugiram correndo, tiveram até dificuldade para abrir a porta, e eu os ajudei", contou à TV uruguaia. Depois que eles saíram, Élida também desceu as escadas e contou o que havia acontecido ao policial na guarita do presídio.

Morabito, que ficou foragido 23 anos antes de ser preso em Montevidéu, havia sido condenado a 30 anos de prisão na Itália, por tráfico de drogas. Segundo a polícia italiana, Morabito comandava o tráfico em Milão e levou para a Itália toneladas de cocaína, trazidas da América do Sul. Em 1994, ele tentou importar quase uma tonelada de cocaína, no valor de US$ 7,64 milhões, para a Itália.

Durante pelo menos 15 anos, ele viveu na cidade litorânea de Punta del Este, mas com nome e nacionalidade brasileira. De 2002 a 2017, ele atendia por "Francisco Capeletto", e se passava por "um empresário brasileiro que vivia da compra e venda de soja". Enquanto isso, era um dos cinco homens mais procurados por tráfico internacional de drogas na Itália.

Em setembro de 2017, Rocco Morabito foi preso em um hotel de luxo em Montevidéu, para onde havia se mudado após uma briga com a mulher. A polícia uruguaia o encontrou após seis meses de uma investigação iniciada por um deslize de Morabitto. No começo de 2017, ele preencheu a ficha de matrícula de sua filha em um colégio público na cidade de Maldonado, cidade vizinha a Punta Del Este, com seu sobrenome italiano verdadeiro. Foi assim que a polícia do Uruguai descobriu que ele fugia da prisão há mais de duas décadas.

Quem é Rocco Morabito, um dos líderes da 'Ndrangheta'

Com 25 anos, ele começou a se destacar na máfia calabresa, como braço direito de seu tio, um dos líderes da 'Ndrangheta Domenico Antonio Mollica. Morabito fez parte da organização de 1988 a 1994, segundo a polícia italiana.

Conhecido por ter um estilo mais discreto e que pregava um uso menor da violência entre as famílias, Rocco fez fama por circular entre banqueiros e investidores de Milão e, como conseguia fornecer droga de boa qualidade, ficou conhecido como o 'rei da cocaína' da cidade.

Segundo investigadores da época, em pouco mais de 2 meses o mafioso conseguiu faturar em torno de 7,5 milhões de euros (cerca de R$ 32,7 milhões). Durante uma investigação a polícia chegou a fazer uma foto dele em Milão cercado de guarda-costas que carregavam maletas cheias de dinheiro.

No fim de 1994, Morabito se tornou um dos homens mais procurados da Itália. A polícia gravou telefonemas em que ele negociava a compra de quase uma tonelada de cocaína da América do Sul, numa transação de cerca de 8 milhões de euros (pouco menos de R$ 35 milhões).

Ele já havia chamado a atenção da Interpol em anos anteriores, ao organizar o envio de um carregamento de 592 kg de cocaína em 1992 e outro de 630 kg da droga em 1993. Nas duas ocasiões, os entorpecentes foram enviados do Brasil para a Itália.

O que é e como funciona a 'Ndrangheta

A menos conhecida das máfias italianas, a 'Ndrangheta atua na região sul da Itália e próxima da Sicília. Originalmente, era um dos redutos da Cosa Nostra. Seu nome vem do grego "andragathia", que significa coragem e lealdade.

O FBI estima que a máfia calabresa tenha cerca de 6 mil membros, concentrados em uma das regiões mais pobres do país. O grupo se especializou no tráfico de cocaína e tem relação direta com organizações criminosas no México e na Colômbia. Estima-se que a máfia, em comunhão com os cartéis mexicanos, controle boa parte do tráfico de cocaína na Europa. A 'Ndrangheta também é acusada de desviar fundos oficiais destinados a imigrantes que vivem nas ruas da Calábria.

Considerada uma espécie de "máfia horizontal", uma confederação de diferentes clãs, a 'Ndrangheta funcionava com base numa estrutura hierárquica secreta encabeçada por um líder central, exatamente como a Cosa Nostra.

Há alguns anos, o governo italiano conduziu uma investigação chamada Crimine-Infinito que revelou a complexa estrutura da 'Ndrangheta, a máfia calabresa. Segundo eles, o corpo dirigente da 'Ndrangheta chama-se Crimine (Crime), supervisionado pelo capo crimine (chefão do crime). Seu porta-voz, o mastro de giornata (mestre do dia), passa adiante suas ordens. Abaixo deles, encontram-se os coronéis: o mastro generale (mestre geral), o capo società (chefe da sociedade), e o contabile (contador).

Na base da 'Ndrangheta estão os 'ndrine, clãs compostos por membros da mesma família (muitas vezes ampliados por meio de casamentos arranjados). Cada 'ndrina é responsável por determinado território, chamado de locale (local), que nem sempre coincide com uma zona geográfica: é possível existirem diversos locais em uma mesma cidade, ou múltiplas cidades em um só local. O Crimine controla todos os locais do mundo, e todos devem obedecer à risca cada uma de suas ordens. (Com agências internacionais)

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