EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de março de 2012 às 17h59.
Xangai - A grande campanha lançada pelo Partido Comunista chinês para as comemorações dos 50 anos de morte de Lei Feng, um heróico soldado cultuado pela propaganda, está se transformando agora em fracasso: o exemplo dele não está mais fazendo efeito junto a centenas de milhões de internautas.
Anualmente, no mês de março, o regime lembra aos chineses a lição edificante do soldado Lei Feng que, imbuído de generosidade e altruísmo, lavava o uniforme de seus camaradas ou distribuía o próprio soldo entre os necessitados.
Para o aniversário dos 50 anos do desaparecimento de Lei Feng, com apenas 22 anos, um soldado distinguido por Mao Tsé Tung, as autoridades lançaram uma campanha em massa na mídia, para encorajar os chineses a se inspirarem no herói, para fazer o bem.
Mas na internet, onde navegam mais de 500 milhões de chineses, o soldado é atacado por todos os lados e muitos questionam suas boas ações. Outros perguntam se não é um tanto ultrapassado e se seu exemplo possa contribuir com alguma coisa para a China moderna onde emergem novos ricos e uma classe média poderosa.
"Hoje, tornar-se um milionário é essencial. Honrar um indivíduo puro não é", afirma um internauta em seu blog.
Mas, em editorial, o jornal China Daily considerou que a morte trágica da pequena Yue Yue, que causou um choque na opinião chinesa, vem provar, ao contrário, que Lei Feng é atual, mais do que nunca.
Em outubro passado, segundo um vídeo que circulou amplamente na China, 18 pessoas passaram indiferentes ao lado do corpo de uma criança que acabava de ser atropelada por uma caminhonete, sem prestar qualquer socorro a ela.
"Temos necessidade de bons samaritanos e o espírito de Lei Feng é importante para a coesão social", segundo o jornal.
Mas, para Hu Xingdou, professor do Instituto de Tecnologia de Pequim, a Lei Feng é totalmente 'démodé' e o governo faria melhor se fizesse doações para obras de caridade, em meio ao respeito à igualdade entre as pessoas.
"Os ensinamentos da Lei Feng são bons, uma vez que tentam salvar a sociedade do declínio moral. Mas esse método está ultrapassado: o governo se serve de modelos velhos para espalhar a própria propaganda", disse ele à AFP.
O herói permanece honrado em algumas camadas da população, e a foto de Lei Feng com sua célebre chapka (uma espécie de boné alongado nos lados) está presente em vários objetos, entre eles xícaras de chá, bolsas e camisetas.
O nordeste da China, onde serviu no exército, possui mesmo um museu Lei Feng.
Mas, na internet, alguns chineses questionam a história do herói, contestam a autenticidade das fotografias que o mostram lendo, com a ajuda de uma lanterna, ou visitando a casa de uma mulher idosa.
"Questionar um herói de décadas passadas é um fenômeno típico da internet", declarou o deputado Zhang Haidi à imprensa oficial. "São pessoas que procuram a todo o preço seus defeitos e se lançam a ataques em massa contra eles."
O governo quis responder aos céticos, tentando apresentar um Lei Feng mais atraente para a juventude, dizendo que ele se vestia bem, gostava de dançar e tinha até namoradinhas.
O Partido Comunista fez um apelo à mídia para intensificar a cobertura sobre Lei Feng este ano, e as histórias do herói inundam as ondas de rádio e televisão, além de portais e microblogs.
Em Xangai, mil estudantes em uniforme dos anos 60 distribuíram durante esta semana comemorativa prospectos nas saídas do metrô sobre o "espírito Lei Feng". Eles cantaram também pequenas baladas sobre a generosidade, o bom comportamento dos usuários e as boas maneiras nos vagões, segundo o Shanghai Daily.
Casas de corretagem dispensaram conselhos gratuitos aos pequenos investidores, seguindo o espírito altruístas de Lei Feng.
Fang Guanlong, operário aposentado, dedica um verdadeiro culto ao herói: possui, em sua casa de Xangai mais de 3.000 objetos, botons e selos, com a imagem do orgulhoso soldado.
"Espero que o espírito de Lei Feng seja transmitido de geração a geração, para purificar a moral da sociedade", disse Fang à AFP.