Mundo

Lar judeu, ocupações e guerras: entenda o histórico do conflito entre israelenses e palestinos

Uma intervenção da milícia xiita libanesa Hezbollah e a incerteza sobre o papel do Irã são os principais fatores que podem fazer esse conflito entre Israel e Hamas

Palestino durante protesto contra Israel na Faixa de Gaza (Anadolu Agency/Getty Images)

Palestino durante protesto contra Israel na Faixa de Gaza (Anadolu Agency/Getty Images)

AFP
AFP

Agência de notícias

Publicado em 11 de outubro de 2023 às 12h11.

O conflito entre israelenses e palestinos, que vive uma nova guerra após a ofensiva sem precedentes do grupo islamita Hamas contra Israel, tem suas raízes no final século XIX, com o início da chegada à Palestina de judeus que fugiam de perseguições religiosas na Rússia e na Europa central.

1917: Um "lar judeu"

Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico tomou a Palestina do Império Otomano.

No dia 2 de novembro deste ano, o ministro britânico de Relações Exteriores, Arthur Balfour, promete estabelecer um "lar nacional para o povo judeu", no que será chamado de Declaração Balfour.

Em 1919, um congresso palestino em Jerusalém expressou sua discordância à esta medida.

Três anos depois, em 1922, a Liga das Nações estabelece os deveres do comando britânico na região palestina, incluindo garantir o "estabelecimento do lar nacional judaico", o que dará origem à Israel.

Entre os anos de 1936 e 1939, o Reino Unido esmaga a revolta árabe nos territórios palestinos.

1947-1948: Palestina dividida, nasce Israel -

Em novembro de 1947, a resolução 181 da Organização das Nações Unidas (ONU) divide a Pelestina em dois estados, um árabe e um judaico. Jerusalém permanece sob controle internacional.
A Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, permanece com a Jordânia e a Faixa de Gaza com o Egito.

O Estado de Israel é criado em 14 de maio de 1948, provocando uma guerra de oito meses com os países árabes.

Mais de 400 aldeias palestinas são destruídas por forças israelenses e cerca de 760.000 refugiados palestinos fogem para a Cisjordânia, Gaza e outros países árabes vizinhos.

A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é criada em 1964.

1967-1973: Ocupação e guerra

Na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, Israel derrota o Egito, Jordânia e Síria e ocupa Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Faixa de Gaza e as Colinas de Golã.

Pouco depois, estabelecem assentamentos judeus nestes territórios ocupados, que permanecem atualmente na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e nas Colinas de Golã.

Países árabes atacam Israel em 6 de outubro de 1973, dia da comemoração judaica do Yom Kippur, mas os israelenses conseguem repelir a agressão.

1982: Israel invade o Líbano

Em 6 de junho de 1982, Israel invade o Líbano, golpeado por uma guerra civil, para atacar combatentes palestinos.

Milícias cristãs libanesas apoiadas por Israel matam centenas de palestinos em acampamentos de refugiados em Beirute. As tropas israelenses permanecem no sul do Líbano até os anos 2000.

1987-1993: Primeira intifada; Acordos de Oslo

A primeira intifada, o levante palestino contra o domínio israelense, se estende de 1987 a 1993.

Neste último ano, Israel e a OLP assinam uma declaração que estabelece os princípios para a autonomia palestina, após seis meses de negociações secretas em Oslo, iniciando o processo de paz.

Yasser Arafat, líder da OLP, retorna aos territórios palestinos em julho de 1994 depois de passar 27 anos exilado para criar a Autoridade Palestina.

Pela primeira vez, se estabelece um governo autônomo na Faixa de Gaza e na cidade de Jericó, na Cisjordânia.

2002-2005: Segunda intifada

Em setembro de 2000, o líder da oposição de direita e primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon visita o complexo da Mesquita Al-Aqsa em Jerusalém Oriental, local sagrado para muçulmanos e judeus — que o chamam de Monte do Templo —, o que dá início aos combates da segunda intifada.

Em resposta a uma onda de ataques suicidas, Israel invade a Cisjordânia em 2002, em sua maior operação neste local desde a guerra de 1967.

Mahmoud Abbas, um político moderado, assume o comando da Autoridade Palestina em janeiro de 2005, após a morte de Arafat.

As últimas tropas israelenses deixam Gaza em setembro de 2005, após 38 anos de ocupação.

- 2007 -: Guerras em Gaza -

Em 2007, o movimento islamita palestino Hamas assume controle de Gaza após intensos confrontos com seus adversários do Fatah, liderado por Abbas, que permanece no poder na Cisjordânia.

No ano de 2014, Israel lança uma nova operação em Gaza para frear o lançamento de foguetes daquele território. Mais de 1.400 civis palestinos e seis israelenses morreram nesta ação militar, segundo dados da ONU.

- 2017: Trump reconhece Jerusalém -
Em 6 de dezembro de 2017, o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump reconhece Jerusalém como capital de Israel, gerando indignação entre os palestinos e críticas internacionais.

Abbas alerta que Washington já não pode mais desempenhar seu papel histórico de mediador nas conversas de paz com os israelenses.

- 2021: Novos conflitos -

Em 10 de maio de 2021, após vários dias de tensões em torno do complexo da mesquita Al-Aqsa, o Hamas lança foguetes contra Israel, que responde com bombardeios aéreos na Faixa de Gaza.

Tem início uma guerra de 11 dias entre Hamas e Israel, com inúmeras mortes. Em agosto de 2022, três dias de confrontos entre Israel e a Jihad Islâmica levaram à morte de seus principais líderes militares.

Novos embates são registrados no início de 2023, após uma operação israelense no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia.

Em maio, 35 pessoas são mortas em cinco dias de combates e em julho, Jenin é alvo da sua maior operação militar em anos.

No último sábado, 7 de outubro de 2023, o Hamas lança uma grande ofensiva a partir da Faixa de Gaza contra o sul de Israel, que responde com intensos bombardeios contra o enclave palestino. Esta nova guerra já causou milhares de mortes.

Conflito Israel-Hamas pode virar uma guerra regional?

Uma intervenção da milícia xiita libanesa Hezbollah e a incerteza sobre o papel do Irã são os principais fatores que podem fazer esse conflito entre Israel e Hamas, já sem precedentes, desemboque em uma guerra regional mais ampla, segundo analistas.
Por enquanto, não há indícios de uma ofensiva iminente do Hezbollah contra Israel, apesar das crescentes tensões fronteiriças, enquanto o Irã, pelo menos oficialmente, insiste em que não está envolvido no ataque de sábado do Hamas a Israel.

Os países árabes vizinhos desejam, por sua vez, melhorar as relações com Israel e veem a oportunidade de desempenhar um papel mediador. A imensa volatilidade da situação apresenta, no entanto, riscos para o futuro.

Milhares de pessoas já morreram em ambos os lados, depois que o Hamas lançou uma ofensiva surpresa contra alvos civis e militares israelenses no sábado, e Israel respondeu com bombardeios devastadores na densamente povoada Faixa de Gaza.

Ao contemplar uma ofensiva terrestre em Gaza, Israel teme, contudo, a possibilidade de uma segunda frente na fronteira norte contra o Hezbollah, que já travou uma guerra contra as forças israelenses em 2006.

Símbolo da tensão dos últimos dias, Israel bombardeou o sul do Líbano nesta quarta-feira, depois de lançar foguetes a partir da zona fronteiriça reivindicada pelo Hezbollah, segundo a imprensa estatal libanesa.

"Estamos muito preocupados que o Hezbollah tome a decisão equivocada e opte por abrir uma segunda frente nesse conflito", declarou à imprensa, em Washington, um funcionário de alto escalão do Departamento americano da Defesa.

"Reação contida"

Até o momento, porém, não há sinais de que o Hezbollah - grupo que, segundo analistas, conta com uma força de combate maior do que a de seu aliado palestino Hamas - lançará uma ofensiva própria.

Não se descarta uma segunda frente no norte de Israel, mas "o Líbano não está interessado em uma conflagração, quando atravessa uma grave crise política e econômica", diz Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisa sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo, com sede em Genebra.

"Sim, existe o risco de transbordamento, mas até o Hezbollah tem uma reação contida e calibrada", acrescenta.

Para Agnès Levallois, vice-presidente do Instituto de Pesquisa e de Estudos do Mediterrâneo Oriente Médio (iReMMO, na sigla em francês), com sede em Paris, a atividade do Hezbollah no sul do Líbano é uma forma de sinalizar o risco potencial.

"Mas não creio que eles estejam interessados em que isso vá mais longe", acrescenta.

Diferentemente das décadas passadas, os principais vizinhos árabes e potências regionais, como Egito e Arábia Saudita, parecem mais dispostos a tentar acalmar as tensões e, assim, aumentar seu prestígio internacional com um papel de mediador.

Em uma conversa por telefone com o presidente palestino, Mahmud Abbas, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, disse trabalhar para evitar uma "expansão do conflito".

O risco também pode chegar da Cisjordânia ocupada, administrada pela Autoridade Palestina de Abbas, mas onde grupos milicianos continuam presentes.

Steven Cook, pesquisador sênior do "think tank" americano Council on Foreign Relations, considera "improvável" um "conflito interestatal" entre um exército árabe e Israel.

Mas, acrescenta, existe um "perigo real" de escalada entre Hezbollah e Israel.

"É algo pelo que todo o mundo deveria estar em alerta máximo", estima.

Quem é o principal inimigo?

Mas, possivelmente, o maior risco seria do Irã, que sempre se recusou a reconhecer Israel e o considera seu arqui-inimigo regional. Há tempos, Teerã apoia financeira e militarmente o Hamas.

Seu líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, negou na terça-feira "rumores" de que o Irã esteja envolvido no ataque do Hamas, embora tenha instado "todo o mundo islâmico" a apoiar os palestinos.

Sua intervenção foi incomumente rápida e explícita, considerando-se que costuma esperar muitos dias antes de comentar estas questões.

Ontem, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que considerava "provável" que o Hamas tenha recebido "ajuda" externa em seu ataque contra Israel, mas reconheceu não haver "rastro formal" de um "envolvimento direto" de Teerã.

Israel nunca descartou uma ação militar contra o programa nuclear do Irã e, segundo os observadores, tem estado por trás de várias operações dentro desse país nos últimos anos.

"A cooperação do Irã com o Hamas não é nova, mas não vejo Teerã se arriscando a uma conflagração regional", afirma Levallois.

Para Denis Bauchard, conselheiro do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), a questão-chave é quem é o principal inimigo de Israel neste conflito: "É apenas o Hamas, ou é o Irã?".

"Existe, sobretudo, o risco de uma conflagração, se Israel considerar - com ou sem razão - que o Irã estimulou essa operação", completa.

Acompanhe tudo sobre:Conflito árabe-israelenseIsraelFaixa de GazaPalestina

Mais de Mundo

Saiba quem é Tom Homan, 'czar da fronteira' de Trump, reponsável por deportações de imigrantes

O que Trump deverá fazer em seu 1º dia de volta à Casa Branca

Rússia proíbe exibição de "O Aprendiz", filme sobre trajetória de Donald Trump

Rússia nega conversa entre Putin e Trump após eleição americana