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Kupchan, da Eurasia: a classe média contra-ataca

Luciano Pádua Os Estados Unidos estão preocupados com as consequências que a eleição de Donald Trump pode proporcionar ao país – afinal, o empresário é ainda desconhecido na política. Mas, para além do drama nacional, que impactos o presidente eleito pode causar no mundo? Para Cliff Kupchan, presidente do conselho administrativo da consultoria de risco político Eurasia, a vitória […]

CLIFF KUPCHAN: Executivo fala sobre o impacto da eleição de Donald Trump para o mundo / Divulgação

CLIFF KUPCHAN: Executivo fala sobre o impacto da eleição de Donald Trump para o mundo / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 17 de novembro de 2016 às 19h01.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

Luciano Pádua

Os Estados Unidos estão preocupados com as consequências que a eleição de Donald Trump pode proporcionar ao país – afinal, o empresário é ainda desconhecido na política. Mas, para além do drama nacional, que impactos o presidente eleito pode causar no mundo? Para Cliff Kupchan, presidente do conselho administrativo da consultoria de risco político Eurasia, a vitória de Trump desafio para os sistemas políticos do mundo inteiro. Para evitar a perda dos valores liberais, o especialista acredita ser vital olhar para quem ficou para trás com a globalização. A entrevista, em versão editada, foi publicada originalmente na edição “Saudade da velha direita”, da EXAME, agora nas bancas.

Qual o significado da vitória de Donald Trump para os Estados Unidos?
O fenômeno é mais forte e profundo do que os analistas norte-americanos se deram conta. A extensão com a qual Trump dominou estados tradicionalmente democratas, como Pensilvânia e Michigan, nos mostra que eleitores democratas buscaram outra alternativa. Decretar que é o fim da democracia liberal seria prematuro. Valores americanos como a liberdade política e o liberalismo econômico continuam muito enraizados na noção de democracia liberal.

Qual o efeito para o Brasil?
Ficamos um pouco preocupados. É potencialmente o tipo de país que me preocupa. O Brasil está em uma boa trajetória, o presidente Michel Temer parece estar levando a cabo microrreformas significativas e fazendo um progresso inicial necessário em grandes reformas. Mas se ele não fizer o suficiente até 2018, Brasil e México, por exemplo, podem estar em uma similar e perigosa rota. Classes médias descontentes podem procurar uma alternativa populista. Achamos que a probabilidade é baixa, mas trata-se de uma ameaça bem possível que se repetirá em todas as democracias. A democracia liberal não está morta, mas todas as democracias encaram essa ameaça.

A narrativa de Trump tende a se espalhar pelo mundo?
A indústria eleitoral está confusa. Temos que entender que há muitas coisas que não sabemos – e não há como saber dada a atual ciência política e as ferramentas analíticas – sobre o que está acontecendo na “barriga da besta” de muitos países. De tudo que li, parece que Marine Le Pen (de extrema direita) dificilmente vencerá na França, mas nenhum de nós deve ser tolo duas vezes. Não conheço ninguém que pensasse que Trump fosse vencer. Temos que olhar novamente para as eleições francesas, para o referendo na Itália (que propõe uma reforma constitucional), em dezembro. Estamos em uma estrada acidentada.

Uma eleição como essa, então, é uma resposta à insegurança que essas sociedades vivem hoje?
A coisa mais importante para analisar a situação é a taxa baixa de crescimento. A crise pós-financeira diminuiu a projeção de crescimento mundial, o que sacrificou as classes médias. Em segundo lugar, o livre comércio e a globalização deixaram muitas pessoas para trás. Os líderes ocidentais são notavelmente antipáticos e apáticos sobre esse problema da desigualdade. Além disso, haverá mais inserção da automação e da inteligência artificial na economia em breve, o que deixará mais gente para trás. Uma última questão é o terrorismo. O Estado Islâmico, principalmente, conseguiu deixar as populações ocidentais assustadas. Aí, as pessoas olham para homens fortes. Para os Trumps ou Marine Le Pen. Não para Obama ou Hillary Clinton. A força deles é a razão, enquanto as pessoas não estão procurando razão. Estão com raiva e assustados: querem contra-atacar.

O sistema de freios e contrapesos pode minar as promessas mais agressivas de Trump?
Na verdade, não. O sistema de freios e contrapesos funciona muito melhor em políticas domésticas. Em política externa, não é preciso legislação. O presidente tem grandes poderes. Se ele não precisar de uma liberação de financiamento do Congresso, pode fazer praticamente o que quiser. Ele pode fugir do acordo nuclear do Irã, por exemplo. Não creio que o fará, mas é uma real ameaça ao acordo. Minha impressão é de que ele pode suspender acordos de livre comércio. Há muito dano que ele pode fazer por si mesmo. Não temos um sistema de pesos e contrapesos robusto o suficiente.

Qual o pior o cenário com Trump?
Não sei quem Trump é – e não vou ficar histérico. A essa altura, a maior ameaça é a perda de liderança dos Estados Unidos, o declínio rápido do sistema de segurança americano e a ordem global de comércio. Isso levaria a um caos geopolítico e nos mercados. Se realmente levarmos a cabo o programa “America First” e os bens públicos forem providos pelos EUA e ninguém mais, podemos acabar em um mundo manco, com cada nação olhando somente para si. Isso seria voltar aos anos 1940.

Os EUA parecem divididos. A exposição global do país pode influenciar essa divisão em todo o mundo?
Todo país de democracia liberal do Ocidente tem problemas similares. Precisamos que as elites acordem de seu sono. O desafio é encontrar políticas públicas para retroceder a política do ódio, dos deixados para trás. Temos de restaurar os ideais democráticos liberais da sociedade. Essa é a chave.

 

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