Kuirk: a participação da cidade na consulta aumentou ainda mais a tensão com Bagdá (Ako Rasheed/Reuters)
EFE
Publicado em 27 de setembro de 2017 às 08h34.
Última atualização em 27 de setembro de 2017 às 08h36.
Kirkuk (Iraque) - Nas ruas da disputada cidade iraquiana de Kirkuk, rica em petróleo, seus habitantes curdos não escondem o desejo de que ela se una a um Curdistão independente, enquanto a comunidade árabe prefere não falar por medo de represálias, e a turcomana rejeita a independência.
Dois dias após o polêmico referendo de autodeterminação da região autônoma do Curdistão iraquiano, nas lojas poucas concorridas do bazar da cidade, as comunidades curdas e árabes se misturam para tomar o chá curdo, enquanto os galos não param de cantar.
Nayem Abdelkarim, curdo nascido em Kirkuk há 56 anos, contou à Agência Efe que votou "sim" pela independência no referendo, realizado nas províncias reconhecidas na região autônoma do Curdistão, bem como nos territórios disputados entre o governo iraquiano e o curdo, entre os quais se encontra a cidade de Kirkuk.
"Queremos sair de todos estes problemas que temos há décadas. Eles (governo iraquiano) não sabem o que significa a democracia", disse Abdelkarim em um local onde se reúnem apenas homens para tomar o chá, alguns deles com a vestimenta tradicional curda.
Em Kirkuk vivem curdos, turcomanos - uma minoria que a Turquia considera como irmã -, árabes e cristãos assírios; uma convivência difícil que ficou patente com o apoio curdo à independência frente à rejeição frontal das demais comunidades.
Uma rejeição que compartilham com Bagdá, com os vizinhos Irã e Turquia, e com a maior parte da comunidade internacional, com os Estados Unidos, um dos principais parceiros da região curda, à frente.
A participação da cidade na consulta aumentou ainda mais a tensão com Bagdá, que ordenou a destituição do governador e ameaçou enviar tropas a todas as áreas disputadas.
Abdelkarim eleva o tom de voz quando fala sobre esta coexistência. "Tenho um filho vivendo em Kirkuk. Se formou na universidade e não tem trabalho. Se você perguntar aos outros (os que não são curdos), eles têm um trabalho. Se você vai a uma empresa e veem seu nome curdo, não lhe deixam trabalhar. Só (deixam) os turcomanos e árabes", lamentou.
Em uma esquina da casa de chá se senta um árabe, que prefere não dizer seu nome nem revelar se participou da consulta.
Apesar de não querer falar, um cliente curdo lhe diz com um sorriso sarcástico: "(O primeiro-ministro iraquiano Haider al) Abadi já não nos julgará mais. Volte pra Mossul".
O árabe responde à provocação com um sorriso, enquanto outros curdos saem em sua defesa; "Deixa ele em paz. É um bom sujeito".
Kirkuk, como outras cidades nas províncias de Ninawa e Diyala - situadas fora dos limites administrativos do Curdistão -, está controlada pelas tropas curdas desde 2014, depois que as forças iraquianas abandonaram a cidade perante o avanço do grupo jihadista Estado Islâmico.
No caminho para adentrar no bazar, vários árabes consultados pela Efe não quiseram falar. No entanto, um deles, que não se identificou, diz em voz baixa: "Temos medo".
Mas outro árabe, nascido em Kirkuk e que também preferiu o anonimato, afirmou à Efe que não há diferença entre curdos e árabes.
Na área de Raas al Yizar, no centro de Kirkuk, Mohamed Mayid, um marceneiro de 40 anos e etnia curda, não quis revelar seu voto, mas comentou: "Se nos transformarmos em um país para estar como antes, tudo bem, mas para que ser um país se não nos respeitamos entre nós? Não precisamos disso".
Por sua vez, Mohamed Eyad Uglu, chefe de informação do partido Frente Turcomana de Kirkuk, disse à Efe que os curdos "começaram a deslocar" as populações árabes e turcomanas em 2003, após a queda de Saddam Hussein.
"Os habitantes turcomanos e árabes de Kirkuk vivem em um estado trágico, já que estão presos no meio do conflito" entre Erbil, capital do Curdistão, e Bagdá, que insistiu que tomará as medidas necessárias para preservar a unidade do país.