Mianmar: a junta já havia sido fortemente criticada pelas potências internacionais quando anunciou, no mês passado, sua intenção de realizar as execuções (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 25 de julho de 2022 às 10h52.
Última atualização em 25 de julho de 2022 às 12h09.
A junta militar de Mianmar executou quatro prisioneiros, incluindo um ex-deputado do partido da ex-líder Aung San Suu Kyi, marcando a primeira aplicação da pena de morte no país em décadas — informou a imprensa estatal nesta segunda-feira, 25.
Os quatro foram executados por liderarem "atos de terror brutais e desumanos", informou o jornal estatal Global New Light of Mianmar. De acordo com o veículo, as execuções aconteceram "sob o procedimento prisional", sem detalhar quando, ou como morreram. Um porta-voz da junta não respondeu à solicitação de entrevista da AFP.
A junta militar condenou dezenas de ativistas antigolpe à morte como parte de sua repressão à dissidência depois de tomar o poder no ano passado.
Phyo Zeya Thaw, de 41, ex-parlamentar do partido Liga Nacional para a Democracia (NLD, na sigla em inglês) de Aung San Suu Kyi, foi preso em novembro passado e condenado à morte em janeiro deste ano por violar a lei antiterrorismo.
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Este pioneiro do hip hop birmanês, cujas letras criticavam o Exército desde o início dos anos 2000, esteve detido em 2008 por pertencer a uma organização considerada ilegal no país e por posse de moeda estrangeira. Obteve uma cadeira como deputado nas eleições de 2015, durante a transição do regime militar para o civil.
A junta acusou-o de ter orquestrado vários ataques contra o regime, incluindo um contra um trem em agosto passado, em Yangon. Cinco policiais morreram.
Kyaw Min Yu, conhecido como "Jimmy" e um destacado ativista pró-democracia de 53 anos, recebeu a mesma sentença do tribunal militar. "Jimmy" era escritor e um opositor de longa data do Exército. Teve um papel importante na revolta estudantil de 1988 contra a junta militar da época. Foi preso em outubro e recebeu sua sentença em janeiro.
Segundo a imprensa local, familiares dos dois primeiros foram para a porta do presídio de Insein em Yangon, com a esperança de recuperar seus corpos sem vida.
Os outros dois réus foram condenados à morte pelo assassinato de uma mulher que, segundo eles, era uma informante da junta em Yangon.
A junta já havia sido fortemente criticada pelas potências internacionais quando anunciou, no mês passado, sua intenção de realizar as execuções.
A última execução capital em Mianmar remonta a 1988, de acordo com um relatório de especialistas da ONU divulgado em junho passado. O documento contabilizava 114 sentenças de morte desde o golpe de Estado.
Os especialistas destacaram que a lei marcial deu aos militares a possibilidade de decretar a pena de morte para 23 "crimes vagos e definidos de forma ampla" e, na prática, para qualquer crítica ao poder. Alertaram, ainda, que as execuções podem ser aceleradas, se a comunidade internacional não reagir.
Os Estados Unidos condenaram as execuções, que incluíram um proeminente ativista pró-democracia. "Condenamos a execução pelo regime militar de líderes pró-democracia e representantes eleitos por exercerem suas liberdades fundamentais", declarou a embaixada dos EUA em Yangon, em sua conta oficial no Twitter.
O Japão, que denunciou que "estas ações levam a um conflito mais duro", também se somou à onda internacional de protestos.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, condenou a decisão, chamando-a de "flagrante violação do direito à vida, à liberdade e à segurança das pessoas".
"Estes atos perversos devem marcar um ponto de inflexão para a comunidade internacional. O status quo da inação internacional deve ser rejeitado com firmeza", reagiu Tom Andrews, relator especial das Nações Unidas sobre direitos humanos em Mianmar, em declaração no Twitter.
Já a ONG Human Rights Watch classificou as execuções como "um ato de extrema crueldade". A diretora da ONG para a Ásia, Elaine Pearson, pediu à comunidade internacional que "mostre à junta que haverá responsabilização por seus crimes".
As quatro execuções anunciadas na segunda-feira são "um ato escandaloso" que "criará ondas de impacto político, agora e por muito tempo", reagiu no Twitter Richard Horsey, especialista em Mianmar do International Crisis Group (ICG).
As execuções devem agravar o isolamento internacional dos militares birmaneses. A junta tomou o poder à força em 1º de fevereiro de 2021, sob o pretexto de suposta fraude nas eleições do ano anterior, nas quais a NLD teve uma vitória arrasadora.
Os militares continuam a impor uma repressão sangrenta contra seus oponentes. Segundo uma ONG local, são mais de 2 mil civis mortos e mais de 15 mil detidos desde o golpe. Entre os presos, está Aung San Suu Kyi, de 77 anos, ex-líder e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Ela enfrenta várias acusações na Justiça, cujas sentenças, em seu conjunto, podem totalizar até 150 anos de prisão.