Norte-coreanos em frente à estátuas de Kim Il Sung e Kim Jong Il: Imprensa era obrigada a ocultar informações sobre o progresso de outros países, segundo jornalista (Divulgação/KCNA)
Da Redação
Publicado em 18 de janeiro de 2014 às 11h53.
Seul - 'Enviaram-me para um campo de trabalho por escrever o nome do líder com um erro', disse Chang Hae-seong, um veterano jornalista norte-coreano no exílio que revelou à Agência Efe a ferrenha censura dos meios de comunicação no país mais isolado do mundo.
A excepcional declaração acrescenta que o próprio líder e seus assessores 'fornecem instruções detalhadas sobre o tipo de programas que a TV norte-coreana ('KCTV') deve transmitir' e 'monitoram os conteúdos propostos pelos jornalistas' em um sistema de propaganda em que nada passa despercebido.
Os conteúdos midiáticos 'estão submetidos a três filtros de censura: interna, estatal e a posteriori', explicou Chang, que trabalhou 20 anos na 'KCTV' (1976-1996), durante um encontro com um reduzido grupo de correspondentes estrangeiros em Seul.
Os meios de comunicação da Coreia do Norte incluem a televisão e o rádio estatais, o jornal 'Rodong' e a agência de notícias 'KCNA', todos eles controlados minuciosamente pelo governo.
No caso da televisão, os norte-coreanos têm a sua disposição um canal geral, outro 'educativo' e um terceiro chamado 'Mansudae TV', em que são transmitidos conteúdos estrangeiros, geralmente de entretenimento, que o regime seleciona a seu gosto.
'Quando vim para Seul descobri que aquele desenho do gato e do rato não eram norte-coreanos, mas dos EUA, e se chamava 'Tom e Jerry'', contou com seriedade Chang, após explicar que Pyongyang copia e transmite conteúdos estrangeiros sem consultar sobre seus possíveis direitos autorais.
Os informantes na Coreia do Norte desfrutam de um elevado status social, segundo ele, e por isso, quem pretende alcançar uma das aproximadamente 800 vagas de jornalista na 'KCTV' deve completar dois requisitos básicos: manter um brilhante registro acadêmico e pertencer a uma boa família.
Chang Hae-seong se formou na prestigiada Universidade Kim Il-sung e seu avô foi um destacado militar que morreu em combate na Guerra da Coreia (1950-1953), o que facilitou o acesso à televisão norte-coreana e, com isso, uma vida relativamente confortável.
No entanto, a fé cega no Estado e na família Kim, presente em todos os norte-coreanos começou a desvanecer-se no caso de Chang.
Chang afirmou que os jornalistas 'tinham acesso à informação sobre o que estava acontecendo fora do país, mas eram obrigados a 'falsificar' o fato' para, entre outras coisas, fossem ocultados os progressos econômicos em outros países, enquanto a Coreia do Norte permanecia em crise constante desde os anos 90.
Chang comentou ter sentido 'vergonha' quando recrutava grupos de crianças e adultos para 'ensaiar até sete ou oito vezes os cantos e palavras de ordem em fidelidade ao líder' que depois eram transmitidos na 'KCTV' como se fossem manifestações espontâneas.
Outro exemplo do extremo absurdo que prevalece na televisão norte-coreana: 'Eu fui enviado para um campo de trabalho forçado durante três meses por ter escrito em um documento de rotina de forma errada o nome de Kim Il-sung', fundador da Coreia do Norte em 1948 e líder do país até sua morte, em 1994.
Ele esclarece que 'era bem-visto na 'KCTV' e, por isso, o campo de trabalho foi como um período de férias pagas', onde era permitido beber álcool em seu tempo livre e conversar com os camponeses que o ajudavam em suas tarefas agrícolas.
O jornalista cometeu seu maior erro em 1996, quando em uma conversa informal sobre história comentou com um companheiro que não foram os EUA, e sim a Coreia do Norte que iniciou a Guerra da Coreia e que o então líder Kim Jong-il nasceu na Rússia e não no 'sagrado' Monte Paektu como dizem os livros norte-coreanos.
Acusado de fazer uma declaração contra o Estado, Chang caiu em desgraça e, utilizando seus contatos, conseguiu atravessar com sua família o rio Tumen para chegar do território chinês até Hong Kong e finalmente à Coreia do Sul, onde colaborou com os serviços de inteligência e hoje preside o Centro de Escritores Norte-Coreanos no Exílio.
Chang, que está apresentando seu livro 'Rio Tumen' em Seul, acredita firmemente que muitos de seus ex-companheiros 'estão conscientes de que a Coreia do Norte já não é socialista, e sim, uma monarquia feudal', mas o regime do medo imposto pela família Kim mantém suas bocas fechadas. EFE