Japoneses ainda trabalham 50 horas ou mais por semana, muito mais do que os 12,7% registrados no Reino Unido, os 11,3% dos Estados Unidos e os 8,2% da França, segundo dados da OCDE (Thinkstock)
Da Redação
Publicado em 5 de junho de 2015 às 11h40.
A elite dos trabalhadores de terno e gravata não receberá mais pelas horas extras no Japão, devido a uma reforma que preocupa o país, onde o vício em trabalho pode levar à morte.
O vício quase custou a vida de Teruyuki Yamashita. Esgotado por acumular viagens de negócios ao exterior, e depois de várias noites em claro, este ex-chefe de vendas foi parar, há quase seis anos, em um hospital, vítima de uma hemorragia.
Yamashita, de 53 anos, sobreviveu depois de três semanas em cuidados intensivos, mas ficou cego.
Assim como esse executivo, muitos trabalhadores japoneses aceitam se sobrecarregar de trabalho em detrimento de sua família ou de sua saúde, uma situação que resulta todo ano em várias mortes por crises cardíacas e suicídios.
Este fenômeno está tão disseminado no Japão que tem um nome, "karoshi" - literalmente "morte por excesso de trabalho" - e é reconhecido como uma doença profissional.
Entretanto, no mês passado, o governo conservador de Shinzo Abe aprovou uma reforma que autoriza as empresas a suprimir o pagamento de horas extras a partir de 40 horas semanais e para quem ganha pelo menos 10,75 milhões de ienes anuais (80.000 euros, US$ 90.000).
Trabalhar mais sem ganhar mais?
Os funcionários atingidos pela reforma serão, a partir de agora, remunerados em função de seus resultados, e não de acordo com as horas que passam no local de trabalho, dizem os defensores do texto, que esperam sua próxima adoção pelo Parlamento.
Eles afirmam, ainda, que o projeto é um meio para melhorar a produtividade no Japão, habitualmente considerada baixa, sem que haja a necessidade de ficar muito tempo nos locais de trabalho.
Mas alguns especialistas temem que os trabalhadores afetados pela reforma não se negarão a passar horas a mais no trabalho, sem remuneração suplementar.
"O governo quer criar um sistema em que as empresas já não tenham que pagar as horas extras", queixa-se Koji Morioka, professor da universidade Kwansei Gakuin, que teme uma "aceleração das mortes por excesso de trabalho".
É certo que as mentalidades começam a mudar no Japão, mas 22,3% dos japoneses ainda trabalham 50 horas ou mais por semana, muito mais do que os 12,7% registrados no Reino Unido, os 11,3% dos Estados Unidos e os 8,2% da França, segundo dados da OCDE.
No que se refere às férias pagas, 16% dos trabalhadores japoneses não tiram férias desde 2013, recusando a se ausentar por um sentimento de culpa, segundo um estudo do governo.
Em média, os japoneses só desfrutam de férias nove dias por ano, a metade do tempo ao qual eles têm direito.
Quase 200 mortes e suicídios
No mesmo ano de 2013 foram registradas 196 mortes e suicídios devido ao excesso de trabalho, e isso não é mais do que a ponta do iceberg, ressalta Shigeru Waki, professor da universidade Ryukoku.
"Há muito mais do que os que morreram por causa de excesso de trabalho, mas é muito difícil de provar isso", garante.
Com essa nova lei, os patrões não terão como comprovar o número de horas a mais trabalhadas, e por isso será mais difícil de avaliar a magnitude do problema, adverte Waki.
Entre os detratores da reforma está a mãe de um jovem empregado de 27 anos que se suicidou em 2009 em Tóquio, mergulhado no trabalho e que acumulou centenas de horas extras não levadas em conta oficialmente.
"Meu filho não voltará, mas quero me transformar na porta-voz de outros jovens", diz.
Seis anos depois de ter sofrido a hemorragia, Yamashita admite que não vale a pena morrer pelo trabalho.
"Estava tão ocupado que nem sequer vi os meus filhos crescerem. Melhor teria sido se eu tivesse dedicado minha vida à minha família", constata agora, arrependido.