Diplomatas europeus e iranianos em reunião na semana passada: EUA e Irã têm negociado em grupos de trabalho "indiretos", com nova etapa nesta quinta-feira (Imagem provida por terceiro/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 15 de abril de 2021 às 06h00.
Última atualização em 15 de abril de 2021 às 07h38.
Os embates de Estados Unidos e Irã sobre armas nucleares não acabaram com o fim do governo Donald Trump. Esse cenário, já esperado, ficou ainda mais claro nos últimos dias, quando negociadores de ambas as partes começaram uma reunião sobre o tema em Viena, na Áustria. As conversas são retomadas nesta quinta-feira, 15, mas os primeiros dias de reunião já deixaram claro que as expectativas são baixas para avançar em um futuro próximo.
Pelo lado dos Estados Unidos, o objetivo é retomar o acordo nuclear pelo qual o Irã se comprometia a desacelerar seu programa atômico em troca de gradual fim das sanções contra o país. O acordo foi firmado em 2015 no governo Barack Obama (no qual o presidente Joe Biden foi vice), mas os EUA se retiraram em 2018 por decisão de Trump. Desde então, as tensões se intensificaram e os EUA voltaram a impor novas sanções contra os iranianos.
Na outra ponta, o Irã conta sobretudo com apoio da Rússia, o que é importante uma vez que o país faz parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) e tem poder de vetar novas sanções conjuntas dos membros, assim como a China.
A reunião de hoje já começa em clima tenso. O Irã anunciou há dois dias, já após o começo das conversas com os americanos, que passará a enriquecer Urânio a 60% a partir da próxima semana. A declaração foi dada pelo embaixador do país na Agência Internacional de Energia Atômica e amplamente repercutida nos EUA. O oficial iraniano afirma que a decisão é uma resposta "aos abusos" de Israel, que o país culpa por uma explosão em sua principal planta nuclear no fim de semana.
Se cumprir a promessa, o Irã se aproxima do nível de enriquecimento de urânio suficiente para uso militar, mas o governo diz oficialmente que não planeja fazer armas nucleares.
As negociações em Viena começaram na semana passada e são classificadas como "indiretas". Na prática, os representantes dos dois governos estarão "na mesma cidade, mas não na mesma sala", segundo disse à Reuters um oficial da União Europeia, que tem coordenado as conversas por meio de grupos de trabalho com ambos os lados. O Irã rejeitou negociações cara a cara, mas a ida de negociadores de ambas as partes a Viena foi classificada pelo governo dos EUA como um passo "saudável" na direção de um futuro entendimento.
Segundo os representantes europeus, que defendem a volta do acordo nuclear de 2015, o objetivo é chegar um acordo inicial em dois meses. As principais metas são encontrar sanções que os EUA concordem em encerrar e garantir que, em contrapartida, o Irã aceite reduzir parte de seu programa nuclear.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, foi menos otimista nesta quarta-feira, 14. Disse que o Irã só retomará compromissos com o acordo nuclear se os EUA removerem todas as sanções. Também afirmou que autorizou os diplomatas iranianos a continuarem nas negociações, mas que as propostas americanas são frequentemente "arrogantes" e que "não vale nem a pena olhar", o que mostra um mau presságio para a temática do Irã no governo Biden.
As negociações acontecem ainda meses antes das eleições presidenciais no Irã, em junho. Os candidatos são aprovados previamente pelo grupo de Khamenei, a maior autoridade política e religiosa do governo islâmico xiita do país, de modo que um aliado do regime vencerá o pleito. Ainda assim, os iranianos vão às urnas em meio a um isolamento crescente do regime e insatisfação popular. As sanções ocidentais contra o Irã prejudicaram sobremaneira a economia iraniana durante o governo Trump, o que ampliou a insatisfação entre a população. A pandemia do novo coronavírus e a crise econômica global atrapalharam ainda mais o cenário.
Como nas negociações entre EUA e China, a questão do Irã deve ser um dos temas do governo Biden nos quais há mais negociações do que sob Trump, mas pouca mudança concreta, sobretudo nos primeiros meses.
A reunião em Viena acontece ainda semanas depois de uma aproximação ainda maior entre Irã e China. Os dois países assinaram no último dia 27 de março um acordo de cooperação (que envolve investimentos e cooperação militar) mirando os próximos 25 anos.
O texto abre caminho para dezenas de bilhões de dólares em investimentos chineses em setores como infraestrutura e energia no Irã, ampliando a influência chinesa junto ao país, segundo um rascunho do documento vazado ao jornal americano The New York Times no ano passado.
Nos últimos anos, a China também tem vetado sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, como restrições conjuntas de venda de armas ao país. Uma aliança crescente com a China deixa ainda mais fraca a ameaça americana de isolar o Irã caso o acordo em Viena não caminhe para o rumo esperado.
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