Vargas exigiu de Morales a anulação da lei que aprovou recentemente para fazer uma consulta às comunidades dessa reserva natural (Jorge Bernal/ AFP)
Da Redação
Publicado em 10 de abril de 2012 às 21h48.
La Paz - Dirigentes indígenas e da oposição na Bolívia colocaram em dúvida nesta terça-feira a sinceridade do anúncio do presidente do país, Evo Morales, que anulará o contrato com a construtora brasileira OAS para a estrada que atravessará a reserva natural Tipnis.
Líderes de etnias amazônicas e políticos da oposição disseram que esta pode ser uma estratégia de Morales para desarticular uma nova manifestação dos nativos marcada para o fim do mês contra a tentativa do governo de construir a rodovia, apesar de o próprio líder ter proibido construções no local por lei em 2011.
O líder do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), Fernando Vargas, declarou à rádio ''Erbol'' que ''o presidente mente e quer frear a mobilização'' e ''distrair o povo''.
Vargas exigiu de Morales a anulação da lei que aprovou recentemente para fazer uma consulta às comunidades dessa reserva natural, a pedido de protesto de indígenas e produtores de coca afins ao governo.
O presidente da Confederação de Povos Indígenas do Oriente da Bolívia (Cidob), Adolfo Chávez, outro dos líderes da primeira passeata contra a via em 2011, disse à Agência Efe que o anúncio de Morales ''não é uma garantia'' porque o governo pode contratar outra empresa para continuar as obras.
Chávez ratificou que os indígenas começarão a nova passeata a partir da Amazônia até La Paz dentro de duas semanas e pediu ao governo um traçado alternativo para que a polêmica estrada não parta em duas a reserva ecológica.
O chefe do Movimento sem Medo, Juan del Granado, antigo aliado de Morales, pediu ao líder ''que tenha maior clareza, transparência e sinceridade com a realidade dos contratos e os fatos'', e que anule todo o processo, incluída a contratação do crédito brasileiro para a obra.
''São enganosas as afirmações do presidente. Não correspondem à realidade dos contratos e, aparentemente, estão destinadas a desmobilizar a manifestação indígena'', declarou o centro-esquerdista Del Granado a jornalistas.
O deputado conservador Luis Felipe Dorado rotulou de ''apressada'' a declaração do governante porque, segundo disse à agência Efe, a anulação do contrato deve fazer-se ''pela via judicial''.
Morales anunciou a anulação após reiterar suas queixas pela lentidão das obras de OAS, que constrói três estradas na Bolívia, incluída a que deveria unir o centro do país com o norte amazônico e cujo segundo lance está projetado para partir em dois o Tipnis.
Segundo o líder, a empresa suspendeu ''sem justificativa nem autorização'' os trabalhos nos dois lances dos extremos da estrada, que começou a construir em junho de 2011, e descumpriu ''várias obrigações contratuais que afetam às obras'', entre outras supostas irregularidades.
''Ontem (segunda-feira) tive uma longa reunião da equipe que está a cargo e por isso já iniciamos a anulação do contrato com OAS nestes dois lances'', disse o presidente em comparecimento perante a imprensa em La Paz.
O escritório em La Paz de OAS e a embaixada brasileira, consultadas pela Efe, indicaram que por enquanto não farão declarações.
Morales não explicou que ocorrerá com o lance central na via amazônica, que devia atravessar o Tipnis, que está proibido por lei e que os indígenas rejeitam pelos efeitos ambientais da obra.
Os nativos da Amazônia temem que aumente a invasão dessa reserva natural por produtores de folha de coca (base para produzir cocaína) provenientes da vizinha região de Chapare, bastião político de Morales, que continua sendo dirigente de sindicatos de cocaleiros.
A OAS se adjudicou em 2008 a construção dessa via amazônica de 306 quilômetros, com investimento de US$ 415 milhões, dos quais um banco do governo brasileiro financia 332 milhões.
Os indígenas alcançaram em 2011, com uma passeata de centenas de quilômetros até La Paz, que Morales assinasse uma lei que proíbe a construção de qualquer estrada no Tipnis, mas o líder se arrependeu e insiste nesse projeto.
Aquela manifestação deteriorou a imagem de Morales - mestiço de origem aimara - como indigenista e ecologista, até o ponto que agora o líder diz que os grupos de defesa ambiental são o novo ''colonialismo''.
Morales se queixou hoje, além disso, que OAS descumpriu também os compromissos de outras duas estradas no sul da Bolívia, mas nesses casos não falou de cancelar os contratos.