Mundo

Impasse no Orçamento pode unir extrema direita e esquerda contra o governo na França

Partido de Le Pen ameaça apoiar moção de censura da esquerda caso suas exigências não sejam contempladas no texto final, que começa a ser votado na segunda-feira

O fracasso no alcance de um consenso e a eventual queda do governo Barnier, que pode ocorrer até esta quarta-feira, pode representar um golpe fatal em Macron (Ludovic Marin/AFP/Getty Images)

O fracasso no alcance de um consenso e a eventual queda do governo Barnier, que pode ocorrer até esta quarta-feira, pode representar um golpe fatal em Macron (Ludovic Marin/AFP/Getty Images)

Agência o Globo
Agência o Globo

Agência de notícias

Publicado em 30 de novembro de 2024 às 14h24.

Tudo sobreFrança
Saiba mais

As consequências da crise política instaurada na França desde que o presidente Emmanuel Macron convocou novas eleições, em junho, podem chegar ao seu ponto máximo dentro das próximas semanas, quando o prazo para a votação do Orçamento de 2025 chegará ao fim.

Com o desafio de aprovar ajustes agressivos em um Parlamento profundamente polarizado, o primeiro-ministro Michel Barnier recebeu um ultimato da líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, para que as exigências do seu partido, o Reagrupamento Nacional (RN), sejam incluídas no texto.

Caso contrário, a sigla ameaçou votar a favor de uma moção de censura para derrubar o governo. Embora nenhuma legenda detenha maioria na Casa, a união dos votos da esquerda e da extrema direita seria suficiente para tirar o premier do poder.

Na quinta-feira, Barnier anunciou, em entrevista ao jornal Le Figaro, três mudanças na proposta original, numa tentativa de acalmar os ânimos da extrema direita. Primeiro, renunciou ao aumento de impostos sobre eletricidade, que renderiam 3 bilhões de euros no próximo ano. Segundo, se comprometeu a reduzir os gastos do Estado com auxílio médico para imigrantes irregulares. Por fim, prometeu apresentar um projeto de lei no próximo ano que propõe um sistema de votação proporcional nas eleições legislativas, como ocorre no Brasil. Hoje, a França adota um sistema de votação em dois turnos para o Congresso.

Os acenos, no entanto, não foram suficientes para Le Pen, que numa entrevista nesta sexta-feira deu um ultimato para que a seção referente à Seguridade Social do Orçamento seja votada até segunda. O partido exige ainda a retirada de propostas como a redução dos reembolsos de medicamentos, a indexação de aposentadorias e pensões pela inflação e a adoção de medidas mais duras contra a imigração e a criminalidade.

— Na sua forma atual, o orçamento de Barnier precipitará a crise financeira — alertou Le Pen, que deu a ele "até segunda-feira" para responder a todas as suas "linhas vermelhas" e evitar aprofundar o "déficit abissal".

'Tempestade econômica'

Até o momento, quase 10 bilhões de euros foram concedidos durante as negociações do Orçamento, cuja proposta inicial projetava 60 bilhões em cortes. As discussões ocorrem no momento em que a França tenta reduzir o seu déficit público de 6% para 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em 2025.

Sem uma política de austeridade, analistas preveem um déficit de até 7% do PIB no ano que vem — mais que o dobro do limite de 3% estabelecido pela União Europeia (UE). No final de junho, a dívida pública do país, que é a segunda maior economia do bloco europeu, estava em torno de 112% do seu PIB, cerca de 3,2 trilhões de euros.

A agência de classificação de risco S&P manteve, na sexta-feira, a nota AA- para a França, dando um voto de confiança aos esforços do país para evitar uma moção que provocaria uma "tempestade econômica", segundo a instituição. Em maio, a agência rebaixou a nota de classificação de risco do país, antes AA+. O ministro da Economia francês, Antoine Armand, disse, em um comentário enviado à imprensa, que a manutenção da nota mostra a confiança "acordada no governo".

"Apesar da incerteza política, esperamos que a França se atenha, com um prazo, ao marco orçamentário europeu e consolide progressivamente suas finanças públicas", disse agência em comunicado.

Impasse à esquerda e à direita

A esquerda anunciou na quarta-feira que vetará a parte financeira do Orçamento, alegando não ter sido consultada durante as negociações. Diante da falta de consenso, Barnier poderia usar de um dispositivo constitucional controverso para aprovar a medida sem passar pela Assembleia Nacional, o mesmo usado por Macron para impor a sua impopular reforma da Previdência em 2023 — medida que minou seu capital político e custou a cabeça da sua então primeira-ministra, Élisabeth Borne.

Nas eleições legislativas de julho, a coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) — formada por socialistas, comunistas, verdes e a esquerda radical, A França Insubmissa (LFI) — conquistou o maior número de assentos no pleito, mas longe do necessário para ter a maioria. O centro macronista terminou em segundo, após se unir à esquerda em nome de um voto útil no segundo turno, formando um "cordão sanitário" contra a extrema direita, que liderava as pesquisas.

Pela tradição política francesa, a NFP deveria ao menos ter tido a oportunidade de formar um governo, mas Macron, responsável por indicar o primeiro-ministro, escolheu Michel Barnier para o cargo — seu partido, Os Republicanos (LR), ficou em quarto na eleição, obtendo apenas 47 cadeiras. A manobra levou milhares de franceses às ruas e foi considerada por críticos como um ato anti-democrático.

A indicação de Barnier também acirrou a crise institucional na França. A esquerda, que ficou de fora do Gabinete, se opõe a quase todas as propostas do governo e apresentou uma moção de censura para derrubá-lo, carecendo do apoio de outros grupos para obter o restante dos votos necessários. Ao escolher um premier da minoria do Parlamento, Macron acabou jogando o governo nas mãos da terceira maior força da Casa — a extrema direita — , que se tornou o voto de minerva e agora ameaça se juntar à esquerda caso suas pautas não sejam contempladas no Orçamento.

Renúncia de Macron

A votação de segunda-feira é a primeira de uma série de votações importantes sobre o Orçamento que acontecem em dezembro. O fracasso no alcance de um consenso e a eventual queda do governo Barnier, que pode ocorrer até esta quarta-feira, pode representar um golpe fatal em Macron. Constitucionalmente, o presidente poderia continuar no poder até 2027, quando termina seu segundo mandato, mas precisará aguardar até 2025 para convocar novas eleições legislativas e, quem sabe, superar o impasse no Parlamento. Para analistas, isso implicaria numa paralisia total do governo e forçaria a sua renúncia.

Tamanho poder vem em excelente hora para Marine Le Pen, que é alvo de uma investigação por suposto desvio de fundos da UE. A deputada e outras 26 lideranças do RN são acusados de usar dinheiro destinado a assessores parlamentares da UE para pagar funcionários próprios do partido. Se for condenada, a líder da extrema direita francesa poderá pegar até 10 anos de prisão e ficar inelegível, destruindo suas ambições presidenciais para 2027.

Em 2017 e em 2022, Le Pen ficou em segundo lugar na corrida presidencial contra Macron. Nos últimos anos, seu partido tem feito avanços para suavizar a imagem e ampliar seu eleitorado: em junho, conquistou a maioria dos votos dos franceses na eleição para o Parlamento Europeu, e em julho, obteve a maior bancada da sua História na Assembleia Nacional.

*Com agências internacionais

Acompanhe tudo sobre:FrançaEmmanuel Macron

Mais de Mundo

Rússia lança mais de 100 drones contra Ucrânia e bombardeia Kherson

Putin promete mais 'destruição na Ucrânia após ataque contra a Rússia

Novo líder da Síria promete que país não exercerá 'interferência negativa' no Líbano

Argentinos de classe alta voltam a viajar com 'dólar barato' de Milei