Autoridades militares e de inteligência israelenses concluíram que um número significativo de armas usadas pelo Hamas nos ataques de 7 de outubro e na guerra na Faixa de Gaza veio de uma fonte improvável: o próprio Exército israelense (BASHAR TALEB/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 28 de janeiro de 2024 às 15h15.
Autoridades militares e de inteligência israelenses concluíram que um número significativo de armas usadas pelo Hamas nos ataques de 7 de outubro e na guerra na Faixa de Gaza veio de uma fonte improvável: o próprio Exército israelense.
Durante anos, os analistas apontaram para rotas de contrabando subterrâneas para explicar como o Hamas permaneceu tão fortemente armado apesar do bloqueio militar israelense na Faixa de Gaza. No entanto, informações recentes mostraram até que ponto o grupo fundamentalista palestino conseguiu construir muitos de seus foguetes e armamentos antitanque a partir de milhares de munições que não detonaram quando Israel as lançou no enclave, de acordo com especialistas em armas e autoridades de inteligência israelenses e ocidentais.
Ainda segundo as mesmas fontes, o Hamas também estaria armando seus combatentes com equipamentos roubados de bases militares israelenses. A inteligência reunida durante meses de combates revelou que, assim como as autoridades israelenses julgaram mal as intenções do Hamas antes de 7 de outubro, elas também subestimaram sua capacidade de obter munição e armamentos
O que está claro agora é que as mesmas armas que as forças israelenses usaram para impor o bloqueio de Gaza nos últimos 17 anos estão sendo usadas contra eles. Os explosivos militares israelenses e americanos permitiram que o Hamas inundasse Israel com foguetes e, pela primeira vez, penetrasse nas cidades israelenses a partir de Gaza.
— O material bélico não detonado é a principal fonte de explosivos para o Hamas — disse Michael Cardash, ex-vice-chefe da Divisão de Eliminação de Bombas da Polícia Nacional de Israel e consultor da polícia israelense. — Eles estão desmontando bombas de artilharia de Israel, e muitas delas estão sendo usadas, é claro, e reaproveitadas para seus explosivos e foguetes.
Especialistas em armas dizem que cerca de 10% das munições normalmente não detonam, mas, no caso de Israel, esse número pode ser maior. O arsenal de Israel inclui mísseis da era do Vietnã, há muito tempo descontinuados pelos Estados Unidos e outras potências militares. A taxa de falha de alguns desses mísseis pode chegar a 15%, disse um oficial da Inteligência israelense que, assim como outros entrevistados para esta reportagem, falou sob condição de anonimato.
Em ambos os casos, anos de bombardeios esporádicos e o recente ataque a Gaza encheram a área com milhares de toneladas de munição não detonada, esperando para ser reutilizada. Uma bomba de 340 kg que não detona pode se transformar em centenas de mísseis ou foguetes.
O Hamas não respondeu às mensagens pedindo comentários. Os militares israelenses disseram em um comunicado que estavam comprometidos com o desmantelamento do Hamas, mas não responderam a perguntas específicas sobre as armas do grupo.
As autoridades israelenses sabiam, antes dos ataques de outubro, que o Hamas poderia recuperar algumas armas de fabricação israelense, mas o escopo assustou especialistas em armas e diplomatas.
As autoridades israelenses também sabiam que seus arsenais eram vulneráveis a roubos. Um relatório militar do início do ano passado observou que milhares de balas e centenas de armas e granadas haviam sido roubadas de bases mal guardadas. De lá, segundo o relatório, algumas foram para a Cisjordânia e outras para Gaza pelo Sinai. Mas o relatório se concentrou na segurança militar. As consequências foram tratadas quase como uma reflexão tardia.
"Estamos alimentando nossos inimigos com nossas próprias armas", dizia uma das linhas do relatório, que foi visualizado pelo New York Times.
As consequências se tornaram evidentes em 7 de outubro. Horas depois que o Hamas rompeu a fronteira, quatro soldados israelenses descobriram o corpo de um atirador do Hamas que foi morto do lado de fora da base militar de Re'im. A escrita em hebraico era visível em uma granada em seu cinto, disse um dos soldados, que a reconheceu como uma granada israelense à prova de balas, um modelo recente. Outros combatentes do Hamas invadiram a base, e as autoridades militares israelenses dizem que algumas armas foram saqueadas e levadas para Gaza.
A alguns quilômetros de distância, membros de uma equipe forense israelense coletaram um dos 5 mil foguetes disparados pelo Hamas naquele dia. Examinando o material, eles descobriram que seus explosivos de nível militar provavelmente vieram de um míssil israelense não detonado disparado contra Gaza durante uma guerra anterior, de acordo com um oficial da Inteligência israelense.
Um oficial militar ocidental disse que a maioria dos explosivos que o Hamas está usando em sua guerra contra Israel parece ter sido fabricada com munições israelenses não detonadas. Um exemplo, segundo o oficial, foi uma armadilha explosiva que matou 10 soldados israelenses em dezembro.
Mas o Hamas não consegue fabricar tudo. Algumas peças são mais fáceis de serem compradas no mercado ilegal e contrabandeadas para Gaza. O Sinai, a região desértica em grande parte desabitada entre Israel, o Egito e a Faixa de Gaza, continua sendo um centro de contrabando de armas. Armamentos usados em conflitos na Líbia, Eritreia e Afeganistão foram descobertas no Sinai, de acordo com avaliações da Inteligência israelense.
Segundo dois funcionários da Inteligência israelense, pelo menos uma dúzia de pequenos túneis ainda funcionavam entre Gaza e o Egito antes de 7 de outubro. Um porta-voz do governo egípcio disse que seus militares haviam feito sua parte para fechar os túneis em seu lado da fronteira.
“Muitas das armas atualmente dentro da Faixa de Gaza são resultado do contrabando de dentro de Israel", disse o porta-voz em um e-mail.
Mas as ruas sitiadas de Gaza são cada vez mais uma fonte de armas. Israel estima que tenha realizado pelo menos 22 mil ataques no enclave palestino desde 7 de outubro. Cada um deles geralmente envolve vários projéteis, o que significa que dezenas de milhares de munições provavelmente foram lançadas ou disparadas — e milhares não detonaram.
— Artilharia, granadas de mão, outras munições, dezenas de milhares de munições não detonadas serão deixadas após essa guerra — disse Charles Birch, chefe do Serviço de Ação contra Minas da ONU em Gaza. — É como um presente gratuito para o Hamas.