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Há vida depois das minas

O fim da atividade de mineração sempre causa enorme impacto na população do entorno. As maiores empresas do setor começam a se mexer para amenizar o problema

Estação de esqui na cidade de Kimberley, no Canadá: depois de ser explorada por quase um século, a mina de zinco virou um resort e hoje atrai turistas  (.)

Estação de esqui na cidade de Kimberley, no Canadá: depois de ser explorada por quase um século, a mina de zinco virou um resort e hoje atrai turistas (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

O Brasil é um dos países com maior potencial de mineração do planeta. Suas terras abrigam mais de 50 tipos de minerais de valor comercial, como o ferro, o manganês e a bauxita, dos quais o país possui a segunda maior reserva mundial.

Em 2007, o setor de mineração movimentou 70 bilhões de dólares no país, o equivalente a pouco mais de 5% do PIB. Apesar da pujança, essa atividade econômica tem um lado sombrio - que aparece, sobretudo, quando se esgota a exploração de uma mina. Não raro, grandes minas são o maior pólo de atratividade de uma região. Cidades inteiras passam a viver em função da atividade mineradora, que gera empregos, moradias, escolas, saneamento básico, iluminação, estradas e, não menos importante, impostos. Quando a mina se exaure e é desativada, os impactos econômicos e sociais no entorno são enormes. "É preciso fazer uma análise global do fechamento e estudar as questões críticas da região para que, quando a mineradora se retirar, não haja uma derrocada econômica", afirma a bióloga Maria Sulema Pioli, da consultoria internacional ERM, especializada em recursos ambientais.

Até pouco tempo atrás, quando a atividade mineradora acabava, as empresas simplesmente iam embora. Um exemplo é a vila das minas do Camaquã, no município de Caçapava do Sul, no Rio Grande do Sul. Operada desde 1942 pela Companhia Brasileira do Cobre (CBC), a mina teve suas atividades encerradas em 1996 e toda a estrutura existente - casas, hotel, cinema, clube - foi simplesmente abandonada. "Hoje as empresas são obrigadas pela legislação a reparar as áreas degradadas, ou seja, têm de deixar o terreno o mais próximo possível do que era antes", diz o engenheiro de minas Victor Eilers, também consultor da ERM. Como o terreno resultante da mineração é muito pobre, recuperá-lo é uma atividade trabalhosa. Pela legislação, o plano de recuperação ambiental de áreas degradadas deve ser traçado antes mesmo do início das operações - e é um requisito para obter o licenciamento. "As companhias mais preocupadas com sua imagem têm feito o chamado plano social de fechamento, que, além da questão ambiental, leva em conta os aspectos socioeconômicos do encerramento da atividade", diz Eilers.

Um dos exemplos mais notáveis é o projeto de implantação de um complexo urbano na extinta mina de Águas Claras, no município de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Durante 30 anos, a mina foi explorada pela MBR, empresa controlada pela Vale. No início de 2003, a mina foi fechada - após a retirada de quase 300 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de três décadas. Em seu auge, na década de 80, a mina empregou 2 000 trabalhadores. Na época de seu fechamento, esse número havia se reduzido a 500. A estimativa da empresa era que o fim da atividade de mineração iria afetar a vida de quase 200 000 moradores do entorno. Em vez de esperar o prazo se esgotar para então definir o que fazer, a MBR decidiu se antecipar. O primeiro passo foi dado em 1999, quando a empresa contratou o consultor e professor da Fundação Dom Cabral Michel Abras para coordenar um estudo que identificasse maneiras de reduzir os impactos do fechamento da mina. O trabalho envolveu 40 profissionais de diversas áreas - de consultorias ambientais a escritórios de arquitetura e urbanismo. O resultado é um plano que prevê a transformação da antiga mina de Águas Claras em uma minicidade, com áreas residenciais e comerciais, hospital, museu, parques e um centro de pesquisa. Com essa infra-estrutura, a idéia é transformar a região num pólo de eventos. "A antiga mina está localizada numa área interessante da região metropolitana de Belo Horizonte e é capaz de atrair eventos que normalmente seriam realizados no tradicional eixo Rio–São Paulo", diz Abras. "Outro fator que pesou na nossa decisão é que, nesse tipo de atividade, 95% da renda gerada fica na própria comunidade".


Saindo do papel

Só agora, depois que toda a burocracia envolvendo a obtenção de licenças para a recuperação da área foi resolvida, é que as obras vão de fato começar. O primeiro passo para a implantação do complexo de Águas Claras é a construção de um centro administrativo regional da Vale em Minas Gerais. Atualmente, a mineradora possui vários escritórios de administração espalhados em Belo Horizonte. O plano é reunir tudo em uma sede própria a ser erguida na antiga mina. Esse deverá ser o único empreendimento bancado integralmente pela empresa. O restante da execução deverá ocorrer em um sistema de permuta — a Vale cederá o terreno a incorporadoras interessadas em investir em projetos na área. A mineradora espera gerar pelo menos 20 000 postos fixos de trabalho com os novos empreendimentos. A estimativa é que o produto interno bruto do município de Nova Lima cresça 20% graças à iniciativa. A conclusão de todo o empreendimento deve levar 20 anos.

Embora projetos como o de Águas Claras ainda sejam exceção na história da mineração brasileira, lá fora os exemplos começam a se multiplicar. Em 2001, a canadense Teck Cominco apresentou um programa que se tornou referência em todo o mundo: o fechamento da mina de zinco, chumbo e prata que a empresa mantinha na cidade de Kimberley, na província de Colúmbia Britânica, e que fora explorada por quase um século. Com o apoio do governo local, o terreno foi vendido para uma incorporadora e transformado em estação de esqui. Hoje, a maior vocação econômica da cidade é o turismo: além da estação de esqui, Kimberley ganhou três campos de golfe e atrai visitantes de várias regiões.
Depois da iniciativa da Teck Cominco, o Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla em inglês), que reúne as principais empresas e associações do setor no mundo, decidiu publicar um guia oficial para o fechamento de minas. Entre outras recomendações, o manual sugere a participação da comunidade nas decisões sobre o futuro aproveitamento de uma mina desativada. A mineradora anglo-australiana BHP Billiton possui seu próprio guia de padronização de fechamentos desde 2004. A Vale e a Alcoa atualmente estão editando seus manuais — sinal evidente de que a preocupação com a vida pós-mineração já atinge as principais companhias do setor. "Apesar de a legislação brasileira exigir apenas o mínimo, as partes interessadas no assunto, como acionistas, clientes e funcionários, exercem pressão suficiente sobre o setor para as empresas se organizarem espontaneamente", diz a consultora Maria Sulema. "Nenhuma delas mais quer ser vista como vilã."

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