Corina Yoris, que foi barrada na disputa presidencial deste ano (Federico Parra/AFP/Getty Images)
Publicado em 20 de julho de 2024 às 10h54.
Última atualização em 23 de julho de 2024 às 10h00.
Corina Yoris, uma das lideranças da oposição na Venezuela, começou sua entrevista para EXAME pedindo desculpas. Tentamos fazer uma conversa por vídeo, mas falhas na internet na universidade onde ela dá aulas impediram isso. O jeito foi falar por ligação de áudio no WhatsApp.
"Desculpem por estes problemas, que são típicos destes dias. Assino dois provedores de internet e vou alternando. Em uma delas, me conecto se a energia acaba. A luz se vai no fim da tarde ou de noite. Enfrentamos estes problemas desde antes da pandemia, consequência da falta de manutenção. E havia uma época em que fornecíamos energia para os países vizinhos. Agora estamos com um problema elétrico gravíssimo, que afeta as conexões de internet", conta.
Professora de filosofia, Corina tentou disputar a Presidência nas eleições, marcadas para o próximo dia 28 de julho, mas teve a candidatura impedida em março. Oficialmente, o governo disse que ela não conseguiu se inscrever a tempo. Pelo calendário eleitoral do país, o partido deveria registrar a candidatura entre os dias 22 e 25 daquele mês, mas ela não conseguiu acessar o sistema do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Na conversa, Corina fala sobre a estratégia da oposição, que concentra seu apoio na candidatura de Edmundo González Urrutia, e como está a situação no país, onde houve melhora no abastecimento de mantimentos e itens básicos, mas a população segue com pouco poder de compra.
Quais são os principais motivos para a população votar na oposição?
Quando uma pessoa está dentro dos protestos, das marchas, ou das redes sociais, vê que há uma vontade firme da maioria absoluta do país por uma mudança no sistema político que impera na Venezuela nos últimos 25 anos e que levou nosso país a uma quebra total.
Como avalia a situação da Venezuela neste momento?
Estamos vivendo uma das fases mais difíceis dos últimos anos. O poder aquisitivo não existe. Os salários não dão conta de cobrir as necessidades mínimas. As pessoas precisam de dois ou três trabalhos em áreas diferentes. As pessoas não acreditam no salário que ganhamos nas universidades, onde passei a vida toda. É preciso buscar outras fontes de renda e terminar a semana totalmente esgotado, porque não dá tempo de nada.
Como está o acesso à comida e a serviços públicos?
Hoje se pode conseguir muitas coisas, inclusive importadas. Há grande quantidade de negócios que chamamos de 'bodegones', que estão nas mãos de pessoas que chamamos de "enchufados". São pessoas que têm conexões com o regime. Ali se consegue qualquer quantidade de coisas, mas o problema está no preço. As pessoas não têm dinheiro para comprar. Por outro lado, estão sendo feitas umas construções incríveis, com a última palavra em arquitetura, mas estão vazias, o que faz pensar que possam ser lavagem de dinheiro. Na cidade, há zonas com as ruas em situação terrível. Há problema de coleta de lixo. Nos falta eletricidade. Abrir uma página da internet pode levar quase meia hora. Os filhos do pessoal que trabalha na minha casa estão indo apenas duas vezes por semana na escola, porque os professores não podem ir trabalhar mais que isso por falta de salário. Assim, quando os estudantes chegam nas universidades, estão com deficiências de formação gravíssimas.
Qual o plano da oposição para reconstruir a economia?
Será necessário olhar para a crise humanitária e como conseguir recursos para a população. Hoje, os hospitais estão sem materiais e as clínicas particulares estão vazias porque ninguém tem dinheiro para pagar o que elas cobram. Precisará ser feito um diagnóstico para saber o que temos. Não temos nenhum dado sobre as contas públicas. A Venezuela não vai se recuperar da noite para o dia.
Acredita que o governo Maduro aceitará uma derrota?
Será algo a ser avaliado no momento, sem se adiantar. Não seria adequado nem prudente [falar disso agora]. Não se revela estratégias, mas penso que o país não estaria disposto a aceitar um não-reconhecimento do resultado.
Como a senhora e seu partido enfrentaram o impedimento da sua candidatura?
Os responsáveis pelo cadastramento dos candidatos argumentaram que não sabíamos usar o sistema eletrônico. Só que as mesmas pessoas que bloquearam minha inscrição estavam cadastrando outros candidatos. Encaramos isso e passamos a discutir a candidatura de Edmundo González Urrutia. O nome dele recebeu o apoio de Maria Corina Machado e de todos os outros representantes da Plataforma Unitária e conseguimos realizar o seu registro eleitoral.
Como a oposição tem sofrido ações de cerceamento?
As liberdades estão comprometidas. Jornalistas não têm liberdade para fazer entrevistas. Quando se aproximam de Maria Corina ou qualquer outro de nós, geralmente acabam perseguidos e presos. Uma parte grande da equipe de Maria Corina está refugiada na embaixada da Argentina. Outros estão presos. Se nos hospedamos em um hotel no interior do país, os órgãos de governo depois fecham os negócios. Há pouco tempo, um prefeito quase foi preso depois de ter permitido uma manifestação em sua cidade. A própria população impediu sua detenção. Há casos de pessoas que foram convocadas para trabalhar como mesárias e que não conseguiram realizar os cursos de capacitação online, porque desde o primeiro dia foram bloqueadas do sistema do Conselho Nacional Eleitoral e perderam o acesso à senha.
O que os membros da oposição estão fazendo para se manter seguros?
Todos nós da Venezuela estamos sempre em perigo, porque aqui basta que haja uma divergência para que alguém possa ser perseguido e punido. Há muitas maneiras para isso. Por exemplo, nos seguem na rua, mesmo que depois não aconteça nada. Não temos meios para pagar equipes de segurança. Estamos ao final protegidos pela própria população.
Para a senhora, qual pode ser a contribuição do Brasil para o processo eleitoral na Venezuela?
As falas de Lula e Gustavo Petro [presidente da Colômbia] foram determinantes para ajudar a garantir que as eleições sejam confiáveis. A comunidade internacional tem muito a dizer. Não estou falando de intervenções militares, mas de reconhecer o que está acontecendo no país.
Em uma situação que gerou uma crise internacional, o governo Maduro fez uma campanha, no fim de 2023, para se apossar do território de Essequibo que hoje pertence à Guiana. Como a oposição lida com esse tema?
É um território que está em situação de questionamento por muitíssimos anos. Mas eles [o governo] se equivocaram e a aposta no nacionalismo não surtiu efeito, de modo que eles não voltaram a tocar no tema.
A Venezuela vive há anos um problema migratório muito grave, com milhões de pessoas deixando o país por conta da situação econômica. Como está esse movimento agora?
Esse é um problema muito sério e há o perigo de uma nova onda de migração. Existem pessoas que estão dispostas a voltar e outras que dizem que pensam em vir à Venezuela apenas para visitar. Tenho familiares que saíram do país e que não sabem se voltam um dia. É difícil deixar para trás a vida que se construiu em outro país. Conheço pessoas que falam sobre renovar seus passaportes para poderem voltar para a Venezuela. Mas, para isso acontecer, é preciso uma mudança aqui.