Bandeira do Vaticano: o processo terminou com o estabelecimento das relações diplomáticas entre Israel e a Santa Sé e a histórica primeira visita do papa João Paulo II a uma sinagoga (Bloomberg / Victor Sokolowicz)
Da Redação
Publicado em 28 de outubro de 2015 às 13h30.
A Igreja Católica celebra nesta quarta-feira os 50 anos da histórica declaração "Nostra Aetate", que mudou a relação com os judeus depois de séculos de antijudaísmo e acusações de ser o povo responsável pela morte de Jesus Cristo.
O papa Francisco dedicou a tradicional audiência-geral na praça de São Pedro para recordar o documento-chave para a história das religiões, aprovado ao fim do Concílio Vaticano II, em 28 de outubro de 1965 e promulgado por Paulo VI.
No total, 2.221 bispos, patriarcas e cardeais de todo o mundo adotaram o inovador documento, promovido por João XXIII, que, em 1959, decidiu eliminar a referência "pérfidos judeus" da liturgia da Sexta-feira Santa, dando início a um processo para revisar os ensinamentos católicos sobre o judaísmo e os judeus.
O Concílio Vaticano II (1962-65) não apenas produziu um revolucionário "aggiornamento" (atualização) da Igreja, reconciliando-a com o mundo contemporâneo, como também mudou totalmente a perspectiva em relação ao povo judeu e a Israel.
O processo terminou com o estabelecimento das relações diplomáticas entre Israel e a Santa Sé e a histórica primeira visita de um papa a uma sinagoga desde os tempos de São Pedro, com João Paulo II em 1986.
Nesta visita, o papa polonês pronunciou a frase histórica, chamando os judeus de "nossos irmãos mais velhos".
Apesar de se dedicar mais longamente aos judeus, a "Nostra Aetate" também estabelece novas bases em relação aos muçulmanos, os budistas, os hindus e demais religiões não-cristãs.
"A Igreja não rejeita nada que seja verdadeiro e santo nessas religiões", afirma o documento.
Depois dos erros do holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial, padres, teólogos e laicos católicos promoveram uma revisão do tratamento teológico que a Igreja dava ao judaísmo.
Séculos de desprezo pelos judeus, acusados de ter matado Jesus, alimentaram um violento sentimento antissemita na Europa.
"Apesar das autoridades dos judeus, com seus seguidores, reclamarem a morte de Cristo, no entanto, o que se fez em sua Paixão, não pode ser imputado nem indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus de hoje", afirma o texto.
"E, se a Igreja é o novo Povo de Deus, não se pode assinalar os judeus como reprovados de Deus nem malditos, como se deduzisse isso das Santas Escrituras", acrescenta o texto.
"A Igreja deplora os ódios, as perseguições e manifestações de antissemitismo de qualquer tempo e pessoa contra os judeus", enfatiza.
Aproximação
Desde sua promulgação, a Nostra Aetate serviu de guia para as relações da Igreja católica com as religiões não cristãs.
João Paulo II (1978-2005) promoveu os célebres encontros interreligiosos de Assis, na cidade de São Francisco, centro da Itália, em 1986 e 1993, e Bento XVI em 2011.
O papa atual, que conta entre seus amigos com o rabino chefe argentino, multiplica os gestos para com os judeus, já visitou várias sinagogas e rezou diante do Muro das Lamentações em Jerusalém, como fizeram seus dois predecessores.
Com o Islã, os esforços dos papas e da Santa Sé têm sido constantes, apesar de alguns reveses.
Francisco visitou a Mesquita Azul de Istambul e, inclusive, planeja visitar no final de novembro Bangui, a capital da República Centro-Africana, país que sai de um doloroso conflito étnico entre milícias cristãs e muçulmanas.
Outro gesto de aproximação para com outras religiões foi realizado por Francisco quando visitou um templo budista em Colombo, no Sri Lanka, em janeiro de 2014, apesar tensões entre cristãos, budistas e hinduístas.