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Guerra da Ucrânia em 2024: apoio externo, força militar e eleições nos EUA influenciarão conflito

Governo de Kiev tenta reverter os questionamentos a novos pacotes de ajuda, enquanto os russos querem ao menos manter as posições conquistadas

Volodimir Zelensky, presidente da Ucrânia (Spencer Platt /Getty Images)

Volodimir Zelensky, presidente da Ucrânia (Spencer Platt /Getty Images)

Agência o Globo
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Agência de notícias

Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 17h09.

Última atualização em 26 de dezembro de 2023 às 19h35.

Em uma sexta-feira de dezembro de 2021, o chanceler russo Sergei Lavrov apresentava uma “lista de demandas” para, segundo ele, reduzir as tensões na Europa. Os itens incluíam a redução do número de tropas da Otan no Leste Europeu e, no tema mais sensível, o veto permanente à entrada da Ucrânia na aliança militar. Na ocasião, a Rússia negava que iria invadir o país vizinho, algo que efetivamente fez semanas depois da apresentação da lista de Lavrov.

Nestes quase dois anos (sem contar o conflito localizado no leste ucraniano desde 2014), a invasão russa provocou mudanças no mapa ucraniano. As forças de Moscou ainda ocupam pouco menos de 20% do território do país vizinho, apesar de terem perdido o controle de áreas como Kherson, no sul. Kiev esperava que a contraofensiva iniciada na primavera de 2023 trouxesse mais vitórias, mas elas se tornaram cada vez mais raras.

Daniela Secches, professora do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, destaca que os russos, ao mesmo tempo que tentavam avançar em pontos estratégicos, fortaleceram suas linhas de defesa. Isso fez a diferença em 2023, e pode continuar a fazer em 2024.

"Isso eles fizeram de maneira muito impressionante, alguns centros de estudos no Ocidente falam em algo que nunca havia sido visto desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tamanha a estrutura de defesa em um território ocupado", destacou Secches.

Combates como os de Bakhmut e Adviivka, ambas em Donetsk, se arrastam por meses, a um custo poucas vezes visto em guerras modernas. Em Bakhmut, o número de mortos é contado em dezenas de milhares dos dois lados. Em Adviivka, mais de 2 mil soldados morreram nas primeiras horas de combate. Nos mapas, são avanços de alguns quilômetros (ou metros) em solo controlado pelas forças inimigas.

Com a chegada do inverno no Hemisfério Norte, a tendência é que os combates sejam mais escassos, como ocorreu no ano passado. Isso não significa que a guerra entrará em uma espécie de pausa, mas sim que as ameaças e desafios serão diferentes, especialmente para os ucranianos.

"Como a Rússia tem uma força maior, ela poderá ganhar uma vantagem nesse fim de ano. Talvez com uma nova ofensiva de ataques a infraestruturas críticas, como o sistema de aquecimento, para forçar a população a passar por um inverno mais rigoroso", afirmou Raquel Missagia, professora colaboradora de Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense. "Também pode haver uma queda do engajamento das pessoas e uma queda do moral das tropas."

Guerra de atrito

Em novembro, um estudo da organização Globsec, parcialmente financiado pela Comissão Europeia, delimitou alguns desfechos possíveis para a guerra: o cenário mais provável para os autores, com 31% de chances, seria a continuidade da guerra de atrito, em condições similares às encontradas hoje. Um combate cidade a cidade, trincheira a trincheira, e que deve drenar economias, arsenais e, especialmente, militares pelo menos até 2025. O desfecho considerado o menos provável é a derrota completa da Rússia, como quer Kiev: 3,76% de chances.

Para Angelo Segrillo, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, as condições atuais parecem ser mais favoráveis à Rússia. Ainda com um vasto arsenal e com o apoio de atores externos — Irã e Coreia do Norte —, nem as perdas de veículos, equipamentos e tropas parecem ter abalado os planos de Moscou.

"A Rússia tem mais condições de manter a guerra por longo prazo. A situação para os ucranianos está mais complicada", disse. "Existe a possibilidade de que a Ucrânia tenha de se contentar com um acordo que a faça perder territórios na prática. Uma grande possibilidade nesse conflito é o de uma guerra congelada, quando conflitos não são resolvidos oficialmente mas ficam parados em uma fotografia de momento."

Kiev rejeita essa possibilidade, tratada como uma declaração de derrota. E, até o momento, os dois lados não dão sinais de que pretendam se sentar à mesa para uma paz negociada em 2024.

“Qualquer resultado que não seja uma vitória da Ucrânia, como eles definirem isso, seria uma vitória da Rússia”, escreveu, em artigo para o centro de estudos GIS, o ex-vice-premier da Eslováquia Ivan Miklos, que toca em um dos maiores pontos fracos de Kiev. “A Ucrânia não poderá vencer sem o apoio dos aliados ocidentais. Embora já em níveis historicamente elevados, essa assistência não é o bastante para garantir uma vitória ucraniana.”

Números compilados pelo Instituto Kiel, da Alemanha, mostram que os EUA destinaram US$ 75 bilhões em ajuda financeira, humanitária e militar a Kiev desde fevereiro de 2022. A União Europeia (UE) destinou € 84,8 bilhões, na maior parte em apoio financeiro, e os países do continente, de forma individual, chegaram a comprometer quase 2% de seus PIBs para ajudar na guerra.

Contudo, como o próprio Instituto Kiel aponta em comunicado do começo de dezembro, entre agosto e outubro houve uma queda de 90% nas promessas de dinheiro, em relação ao mesmo período do ano passado. Recentemente, o Congresso dos EUA barrou um novo pacote bilionário de ajuda militar, considerado essencial pelo Pentágono para manter as linhas de combate da Ucrânia, e a União Europeia enfrenta a oposição da Hungria em um debate sobre nova ajuda financeira a Kiev.

"Surgiu uma questão muito razoável no debate: quanto dinheiro já foi fornecido à Ucrânia, e se os resultados ficaram abaixo do esperado, então quanto mais será necessário doar para que ela tenha um resultado mais efetivo", pontua Missagia.

A iminência da eleição presidencial nos Estados Unidos será outro fator crucial. Mesmo a base de Joe Biden tem se mostrado menos afeita a despejar bilhões de dólares em um conflito que parece estagnado. E o ex-presidente Donald Trump, cujos aliados querem cortar o financiamento, disse que pode resolver a guerra “em 24 horas”. O republicano é favorito para ser indicado pelo partido, e surge na frente de Biden em vários estados decisivos.

"Não só um retorno de Donald Trump, mas o próprio decurso do tempo em relação ao conflito fala muito contra Zelensky", afirmou Secches. "E a própria corrida eleitoral vai ser muito difícil, o presidente que for eleito chegará a um país novamente dividido. Então quanto mais tempo passa, mais difícil fica, e acredito que o Trump olhará mais para dentro, e isso enfraquece a posição do Zelensky."

Otimismo contido

Pelo lado russo, apesar das falas otimistas de Vladimir Putin em discursos e programas de TV recentes, o cenário está longe de ser o ideal. Estimativas da Inteligência dos EUA mostram que a Rússia perdeu, entre mortos e feridos, 315 mil homens, quase 90% do pessoal empregado no começo da invasão. Para “repor” os contingentes, Moscou usou milícias privadas, como o Grupo Wagner, exércitos regionais, como os chechenos, além de condenados, que foram lutar com a promessa de liberdade.

Na economia, apesar do crescimento do PIB, ficaram evidentes dificuldades causadas pelas sanções, além da relação que muitos veem como de crescente dependência com a China, considerada por Washington seu grande competidor global. Em maio, o presidente francês Emmanuel Macron disse que Moscou havia iniciado um “processo de vassalização” em relação a Pequim, uma fala duramente criticada pelo Kremlin. Em março, Putin será novamente candidato à Presidência, e prometeu que a Rússia será uma "potência soberana".

Para Angelo Segrillo, o conflito também pode começar a ser analisado por uma perspectiva histórica. Ele marcaria um passo contundente em direção a um mundo multipolar, no qual os EUA não seriam mais a principal referência. Uma transição que, para o professor e especialista em União Soviética, está sendo explosiva.

"Ela [guerra na Ucrânia] acaba com as ilusões de que o pós-guerra fria seria mais pacífico, e pode marcar um avanço na ideia, ao lado da guerra Israel x Hamas, dependendo se ela se espalhar, de que estamos entrando em uma nova fase", afirma Segrillo. "Tivemos a guerra fria e o pós-guerra fria, que sugeriu alguma convergência, e veio 2022, com uma guerra aberta, que vai marcar de maneira explosiva esse mundo multipolar, com os EUA declinando, mas outros atores entrando em cena."

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