Mundo

Guerra contra as drogas nos EUA tem seus efeitos colaterais

No Congresso, Campbell pediu aos legisladores para mudar o rumo das prisões saturadas do país e reduzir o tempo em prisão dos condenados por tráfico de drogas


	Drogas apreendidas: as empresas privadas tiraram proveito do aumento das taxas de encarceramento que transformam os EUA no país com mais pessoas atrás das grades do mundo
 (Antonio Cruz/ABr)

Drogas apreendidas: as empresas privadas tiraram proveito do aumento das taxas de encarceramento que transformam os EUA no país com mais pessoas atrás das grades do mundo (Antonio Cruz/ABr)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de outubro de 2015 às 09h54.

Washington - Quando, há 40 anos, os Estados Unidos pegaram em armas contra as drogas, os criminosos do varejo e dos becos sofreram o castigo desproporcional de uma guerra cega, cujos efeitos colaterais têm rostos como o de Debi Campbell, presa durante 16 anos por vender metanfetaminas.

"Merecia ir a prisão. Rompi a lei e, o mais importante, precisava ir para a prisão porque desesperadamente necessitava algo que me despertasse. Mas não precisava de 20 anos para aprender a lição", considerou Campbell, em liberdade desde 2010 e que transformou seu castigo na fonte de um ferrenho ativismo político.

Com voz firme, esta semana durante uma audiência no Congresso, Campbell pediu aos legisladores para mudar o rumo das prisões saturadas do país e reduzir o tempo em prisão dos condenados por tráfico de drogas, entre os quais se encontram majoritariamente afro-americanos e latinos.

Quando os rios de seringas e balas corriam pelas ruas dos EUA na década de 80, o Congresso aprovou uma lei para que os peões das esquinas e os reis do narcotráfico tivessem que cumprir um tempo mínimo em prisão sem importar se tinham vendido 280 gramas ou cinco quilos de heroína.

"Era viciada em metanfetamina. Comecei a vender para outros para poder fazer dinheiro. Não era um chefão das drogas nem um grande fabricante. Não estava sendo uma boa mãe, me tiraram a custódia das minhas filhas e imaginei que fazer mais dinheiro era uma forma de ter um lar e poder recuperá-las", relatou Campbell à Efe.

"Errei e aprendi com meus erros", acrescentou a mulher, de 60 anos, com quatro filhas e para a qual restam três matérias para acabar um dos dois cursos universitários que começou quando estava atrás das grades e passava as horas com revistas e cartas.

Pequenos traficantes como Campbell foram os vencidos da luta implacável contra as drogas, e os vencedores, as empresas privadas que tiraram proveito do aumento das taxas de encarceramento que transformam os EUA no país com mais pessoas atrás das grades do mundo, acima da China.

Com o objetivo de fazer o governo mudar de posição, legisladores republicanos e democratas apresentaram este mês no Congresso um novo projeto de lei para reduzir a extensão das penas por drogas e acabar com as penas perpétuas que a Justiça impõe a quem comete três destes crimes.

No entanto, as grandes companhias carcerárias como Corrections Corporation of America (CCA), GEO Group e Management and Training Corporation (MTC) já estão buscando novas formas de se beneficiar da reforma criminal, disse à Efe Benjamin Davis, do grupo In the Public Interest (ITPI), entidade civil com sede em Washington.

Por exemplo, segundo esta associação, em 2011, o GEO Group, que controla 66 prisões, comprou a companhia BI Incorporated (BI), que se dedica a produzir tornozeleiras eletrônicas que permitem controlar por GPS os condenados, em vez de encarcerá-los.

As companhias carcerárias, famosas pelas multimilionárias doações a congressistas, asseguram seu lucro graças a uma cota mínima de ocupação estipulada com o governo que lhes garante que, seja qual for a taxa de criminalidade, em suas camas dormirão um determinado número de réus.

A fim de transformar a reforma penal no selo da política interna de seu segundo mandato, o presidente dos EUA, Barack Obama, empreendeu uma campanha de pressão que o levou a defender o movimento "Black Lives Matter" ("As vidas negras importam"), surgido após a morte de afro-americanos por disparos de policiais brancos.

Transformado no presidente negro que alguns temiam e outros estavam esperando, Obama pôs rosto, afro-americano e latino, aos prejudicados na tenebrosa guerra contra as drogas que ficaram presos por tempos desproporcionais ou cresceram sem as histórias de seus pais antes de dormir.

"É difícil desempenhar o papel de pai durante um telefonema de 15 minutos por dia. Não houve mais histórias para as meninas, não houve ajuda com suas tarefas, nem reuniões de pais e professores na escola. Perdi muito e agora tenho muito que compensar", reconheceu Campbell, que conseguiu reduzir sua pena de 19 para 16 anos.

Quando saiu da prisão em 2010 e viu, pela primeira vez, que todo mundo pagava com cartões de crédito, Campbell sentiu que o tempo tinha lhe escorrido entre os dedos e decidiu defender as centenas de mulheres que, como ela, desconheciam os altos castigos que a Justiça impunha a que lidavam com drogas.

"Esta reforma deve ser só o começo", disse Campbell para o sério grupo de congressistas que têm o poder de acabar com a guerra antidrogas e assinar a paz com companhias carcerárias preparadas para enfiar nos bolsos dos políticos muitas "verdinhas".

Que pedirão em troca? Nos acordos de paz, como nas guerras, também há "efeitos colaterais".

Acompanhe tudo sobre:DrogasEstados Unidos (EUA)GuerrasPaíses ricos

Mais de Mundo

Netanyahu oferece quase R$ 30 milhões por cada refém libertado que permanece em Gaza

Trump escolhe Howard Lutnick como secretário de Comércio

Ocidente busca escalada, diz Lavrov após 1º ataque com mísseis dos EUA na Rússia

Biden se reúne com Lula e promete financiar expansão de fibra óptica no Brasil