Juan Guaidó: desde que político se autoproclamou presidente interino da Venezuela, pouco mudou no país, avalia professor venezuelano (Manaure Quintero/File Photo/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 23 de janeiro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 23 de janeiro de 2020 às 07h50.
São Paulo – Era 23 de janeiro de 2019 quando o jovem político Juan Guaidó se autoproclamou presidente interino da Venezuela, mais uma tentativa da oposição de remover o chavista Nicolás Maduro do poder. Aos olhos da comunidade internacional, a narrativa de ameaça iminente ao regime chavista que nasceu a partir daquele episódio parecia surtir efeito e Maduro estaria com seus dias contados.
Um ano depois, pouco ou quase nada mudou nesse jogo de poder. O que foi que deu errado?
Para responder essa pergunta, EXAME conversou com o professor venezuelano Marco Aponte-Moreno, que hoje leciona na Faculdade Saint Mary (Estados Unidos). Formado na prestigiada Universidade de Paris-Sorbonne, Aponte-Moreno fez o seu doutorado na Universidade da Cidade de Nova Iorque e sua dissertação se debruçou na análise do discurso de Hugo Chávez, que governou a Venezuela de 1999 até 2013.
Confira a entrevista na íntegra.
Há um ano, Juan Guaidó se autoproclamou o presidente interino da Venezuela. Qual a força dele no país hoje?
Sua força vem do amplo apoio internacional que ele recebeu desde o ano passado. Embora ele tenha perdido muito da sua popularidade na Venezuela, ele continua como o maior símbolo da oposição, tanto em âmbito doméstico quanto internacional. Sua recente turnê internacional e presença no Fórum Econômico Mundial mostram que sua liderança está viva.
No entanto, muitos na Venezuela são céticos quanto a sua capacidade de conseguir mudar o governo. A reputação da Assembleia Nacional, que é liderada por Guaidó, foi manchada recentemente por escândalos de corrupção envolvendo legisladores de oposição. E isso aumentou o ceticismo das pessoas em relação aos opositores e também em relação a Guaidó. Para os pobres na Venezuela, nada mudou desde que ele foi reconhecido como presidente interino da Venezuela.
Houve algum momento em que Juan Guaidó e seus apoiadores chegaram próximos de remover Nicolás Maduro da presidência?
Guaidó nunca chegou perto de derrubar Maduro do poder. Sem o apoio dos militares, é muito difícil derrubar um governo. Além disso, uma possível intervenção internacional foi completamente rechaçada pelos Estados Unidos, Colômbia e Brasil. Disseram que ajudariam no envio de ajuda humanitária, mas descartaram a participação em uma ação militar.
Guaidó tem um amplo apoio da comunidade internacional, mas, aparentemente, não conseguir balançar Maduro da presidência. O que deu errado?
A estratégia que vimos no ano passado foi orquestrada dos Estados Unidos e tinha como objetivo criar uma atmosfera de perigo iminente, uma tentativa de fazer com que o alto escalão das Forças Armadas trocassem de lado. E isso veio acompanhado de sanções econômicas severas por parte do governo americano.
Durante semanas, Trump e seus conselheiros falaram extensivamente sobre a crise, deixando em aberto a possibilidade de uma intervenção militar. “Todas as opções na mesa”, costumavam dizer. Não demorou até Maduro perceber que não passava de um blefe.
Como está o jogo de poder na Venezuela hoje? Quão forte é a posição de Maduro?
Sua posição é forte em alguns aspectos e frágil em outros. Por um lado, ele praticamente anulou a Assembleia Nacional, que fazia oposição a ele, subornando legisladores e fazendo deles chefes de uma Assembleia paralela. Ele também capitalizou nos conflitos internos da oposição, que está muito dividida.
Por outro lado, as sanções o deixaram sem dinheiro. A Bloomberg recentemente noticiou que o governo tem menos de um bilhão de dólares na carteira. Embora eles tenham aproximadamente 73 toneladas de ouro, o que vale a cerca de 3,4 bilhões de dólares, o governo não está conseguindo transformar isso em dinheiro em razão das sanções. Sem dinheiro para pagar a lealdade das Forças Armadas, Maduro estará com sérios problemas.
O que podemos esperar dessa crise em 2020?
Mais repressão e mais presos políticos. Já que as sanções afetaram a renda do regime, Maduro terá de continuar participando de tráfico de drogas e outras atividades ilegais para pagar as contas. A presença do Hezbollah (grupo libanês que é considerado como organização terrorista pelo governo americano) na Venezuela deve aumentar. E isso continuará a trazer atritos na relação com os Estados Unidos.
A divisão da oposição vai continuar. Alguns devem até apoiar a proposta de Maduro para uma nova eleição à Assembleia Nacional, apesar do famoso slogan de Guaidó: “Fim da usurpação, governo de transição e eleições livres”.
Enquanto isso, a crise humanitária e econômica persiste. Na sua visão, o que é preciso para dar fim às turbulências e quando será possível para a Venezuela retomar a estabilidade?
Acabar com a crise na Venezuela é algo que levará muitos anos, ainda que o regime de Maduro acabe agora. A economia está fragilizada, a polarização política continua e a sociedade enfrenta uma grave crise de valores. Irá demorar até que seja possível reconstruir o país.
Creio que a única forma de derrubar esse governo é por meio de um levante popular, com apoio dos militares. No entanto, as pessoas estão famintas, não tem medicamentos e estão morrendo. Enquanto essa crise humanitária durar, será difícil imaginar um movimento organizado capaz de acabar com a ditadura de Maduro.
O governo Trump irá continuar com a mesma estratégia: pressionar por meio de sanções até que os militares cedam. Isso pode acontecer ou não. A única coisa certa é que eles não irão intervir na Venezuela. Seu foco está no Oriente Médio, não na América Latina.