Juan Guaidó: "isso não é uma questão de esquerdas ou direitas" (Manaure Quintero/Reuters)
AFP
Publicado em 9 de fevereiro de 2019 às 09h08.
O opositor Juan Guaidó não descartou autorizar a intervenção de uma força estrangeira para que o presidente Nicolás Maduro pare de "usurpar" o poder e para "salvar vidas" ante uma "emergência humanitária".
No entanto, enfatiza que fará tudo que gerar o "menor custo social" para conseguir "eleições livres" que tirem a Venezuela da pior crise de sua história contemporânea.
Guaidó, engenheiro de 35 anos, dialogou nesta sexta-feira com a AFP sobre o auge que o conflito atingiu desde que ele se autoproclamou presidente interino, em 23 de janeiro, com apoio até agora de meia centena de países, liderados pelos Estados Unidos.
- Não hesitaria em autorizar uma intervenção militar dos Estados Unidos?
"Faremos tudo que for necessário, tudo que tivermos que fazer, para salvar vidas humanas, para que não continuem morrendo crianças (...) ou pacientes renais.
Vamos fazer o que for que tenha menor custo social, que gere governabilidade e estabilidade para poder atender a emergência. Os dias na Venezuela já se contam em vidas humanas. De 23 a 30 (de janeiro) o Faes, uma unidade das forças armadas, assassinou a sangue frio 70 jovens.
O que Maduro faz é tentar ter um inimigo exterior, tentar criar alguma causa comum com parte da esquerda mundial, mas isso não é uma questão de esquerdas ou direitas, é uma questão de humanidade, e nós faremos tudo que tenhamos que fazer de forma soberana, autônoma, para conseguir o fim da usurpação, o governo de transição e eleições livres".
- Faria uso das faculdades que tem como presidente da Assembleia e presidente encarregado para autorizar a intervenção de uma força estrangeira?
"Nós faremos todo o possível. Isto é uma questão obviamente muito polêmica, mas fazendo uso de nossa soberania, o exercício de nossas competências, faremos o necessário".
- Como está avançando a entrada de ajuda humanitária?
"Quando tivermos os insumos suficientes vamos fazer uma primeira tentativa de entrada. Sabemos que há um bloqueio em Tienditas (fronteira com a Colômbia), que as Forças Armadas têm um dilema importante de se aceitam esta ajuda ou não. Seria quase miserável não aceitá-la.
No sábado e no domingo teremos a conformação de um grande voluntariado para inclusive ir buscá-la se for necessário nos pontos de entrada".
- Quando será a primeira tentativa?
"Acredito que vai ser na semana que vem, quando tivermos conformado o voluntariado e organizado o processo de distribuição".
- Existe a possibilidade de choques?
"Será um dilema para os militares. É uma ordem que demos a eles. Eles terão a decisão de tomá-la. Isto pode dar passagem também a um governo de transição".
- Se as tropas abandonarem Maduro restariam grupos civis que segundo a oposição foram armados pelo oficialismo. Considerou esse risco?
"Com vontade política, com cooperação, é possível minimizar muito rápido, porque não apenas os armaram, ainda os financiam, e o financiamento se acaba cada vez mais rápido. Por isso a importância de solicitar a proteção de ativos venezuelanos no mundo, para que não utilizem isso para financiar grupos irregulares. Vejo muito pouca margem de manobra a um grupo que não receberá financiamento".
- Por que acredita que a oferta de anistia não produziu ainda uma deserção maciça de altos comandos?
"É preciso aprofundar isso. Já vimos um general de divisão há uns dias se pronunciar abertamente. Vimos alguns sargentos da Guarda Nacional mostrarem descontentamento e estão sendo torturados. Um dos familiares dos sargentos está desaparecido.
Não é apenas pela oferta, mas também porque opera o medo, a perseguição que exerceram sobre a Força Armada. Parte do que temos que vencer é explicar muito bem que (a Força Armada) tem um papel na reconstrução e esperamos que não sejam pronunciamentos por cotas, mas em bloco".
- Teve contato com autoridades da China e Rússia, aliadas de Maduro?
"Tentamos ter contatos com a maioria dos países do mundo e estamos abertos a falar com todos.
Tenho certeza de que tanto Moscou como Pequim têm muita clareza sobre a situação venezuelana, que Maduro não tem apoio popular, que não pode estabilizar a economia, que produziu a maior inflação do mundo, que contraiu o PIB em 53 pontos em cinco anos tendo as maiores reservas de petróleo do planeta".
- Receberá os enviados do Grupo de Contato Internacional que busca uma saída negociada?
"Estamos dispostos a falar com todo mundo com uma agenda, isso sim, muito precisa. Maduro tentou um diálogo em 2017 no qual zombou inclusive do Vaticano para ganhar tempo, não para produzir uma eleição livre. Não estamos dispostos a nos prestarmos a um falso diálogo".
- A posição do papa Francisco lhe parece morna?
"Não recebeu ninguém do governo. Sequer os leva em conta. Nossa petição ao Vaticano é a mesma que aos quase 60 países que nos reconheceram: apoio ao processo de transição, a uma eleição livre e a atender a emergência humanitária".
- Houve um diálogo com o FMI para um eventual resgate financeiro?
"Sim, estamos avançando não apenas com o Fundo, mas também com todas as multilaterais dispostas a se prestar a um esquema saudável de auxílio financeiro. Se conseguirmos captar 15%, 20% ou 30% dos fundos que fugiram pela corrupção, entre 300 e 400 bilhões de dólares, teremos um avanço para o resgate".
- Preocupa-lhe que o tempo passe e as ruas se esfriem?
"Isso preocupa todos os venezuelanos, mas o tempo joga a nosso favor. Cada dia que estou livre, exercendo minhas funções, é um dia de vitória da democracia, um dia que Maduro continua se isolando. Acredito que ele vai perdendo todos os dias".