Geir Lippestad durante conversa com jornalistas nesta terça-feira: "acredito que o sistema judicial é muito importante em uma democracia, e alguém tem que fazer o trabalho" (Jonathan Nackstrand/AFP)
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2011 às 13h01.
Oslo - Mesmo com tudo contra, o advogado Geir Lippestad, membro do Partido Trabalhista, alvo dos ataques que deixaram 76 mortos na Noruega, aceitou a difícil tarefa de defender Anders Behring Breivik, o autor confesso do massacre que abalou o país.
Pouco tempo depois de tomar conhecimento da matança, o advogado recebeu uma ligação da polícia: Breivik, sem dúvida o indivíduo mais odiado do país, curiosamente queria que ele fosse seu defensor.
"Minha reação inicial foi que o caso seria muito difícil", explicou Lippestad em entrevista à AFP.
Ao explodir uma bomba na sede do governo de esquerda e depois metralhar jovens trabalhistas reunidos na ilha de Utoya, Behring Breivik abalou o país, mas também atacou os ideais defendidos por Geir Lippestad, membro do Partido Trabalhista.
Ao final de dez ou doze horas de reflexão e de conversas com sua família e colegas, tomou sua decisão. "Acredito que o sistema judicial é muito importante em uma democracia, e alguém tem que fazer o trabalho".
Outro paradoxo evidente, já que, como Breivik disse a seu advogado, "detesta qualquer pessoa que acredite na democracia".
Então por que Behring Breivik optou por ser representado por um homem de convicções diametralmente opostas?
"Já me fizeram esta pergunta", disse Lippestad. "Eu não sei por quê, mas talvez uma das razões é que ele teve um negócio perto de minha firma de advocacia há muitos anos".
Geir Lippestad não gosta de falar muito de si mesmo e muito pouco se sabe sobre ele, nem mesmo a data exata do nascimento, em 1964.
A explicação também pode estar em seu currículo. Em 2002, ele defendeu Ole Nicolai Kvisler, condenado a 17 anos de prisão por um homicídio descrito então pela classe política como o "primeiro crime racista" da história do país.
Vinculados ao movimento neonazista dos Bootboys, Kvisler e um cúmplice foram declarados culpados por esfaquear um adolescente, filho de uma norueguesa e de um ganês, em um estacionamento de um subúrbio de Oslo, em janeiro de 2001.
Esse crime provocou uma gigantesca onda de indignação no reino, onde o primeiro-ministro, que então era Jens Stoltenberg, declarou o racismo intolerável.
O crime também teve repercussões no exterior, e até o ídolo Michael Jackson decidiu dedicar seu primeiro álbum a "Benny", o menino esfaqueado.
Desde que aceitou representar Behring Breivik, segundo a imprensa local, Geir Lippestad tem sido ameaçado, o que ele não confirmou.
"Há muitas pessoas que gostam de mim e me estimam. Nas ruas, posso sentar para tomar um café e as pessoas vêm falar comigo. Vivemos num país especial e estou orgulhoso disso", limitou-se a comentar.
Para poder fazer seu trabalho, o advogado começou a ler o manifesto de 1.500 páginas, cheio de ataques islamofóbicos e antimarxistas, que Behring Breivik difundiu na internet pouco antes de cometer seus crimes.
"Mas não é meu papel difundir sua mensagem política", enfatizou, sem querer comentar o conteúdo do documento.
Aparentemente, ainda não determinou sua linha de defesa, mesmo que suas declarações levem a crer que alegará insanidade para evitar que seu cliente seja processado.
Por fim, levando em conta o abismo ideológico que o separa de seu cliente, muitos questionam se, no fundo, ele deseja perder o caso. Sucinto e extremamente profissional, Geir Lippestads responde com um enfático não.