Protestos na Faixa de Gaza contra a mudança da embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém (Ibraheem Abu Mustafa/Reuters)
AFP
Publicado em 14 de maio de 2018 às 21h54.
Os soldados israelenses mataram 55 palestinos nesta segunda-feira (14) na fronteira com a Faixa de Gaza em distúrbios e manifestações contra a inauguração da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, uma das promessas mais polêmicas do presidente Donald Trump.
Este foi o dia mais violento do conflito israelense-palestino desde a guerra de 2014 na Faixa de Gaza.
A dirigência palestina denunciou "um massacre", enquanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, defendeu o uso da força porque "todo país tem a obrigação de defender seu território".
"A organização terrorista do Hamas proclama a sua intenção de destruir Israel e envia com este fim milhares de pessoas para forçar a fronteira", acrescentou Netanyahu no Twitter.
As ações desta segunda-feira geraram preocupação na comunidade internacional em um contexto de fortes tensões e incertezas regionais.
Os Estados Unidos bloquearam nesta segunda-feira a adoção de um comunicado do Conselho de Segurança da ONU para pedir uma investigação independente sobre os confrontos e que também condena os disparos israelenses, que provocaram a morte de dezenas de civis.
Turquia e África do Sul convocaram seus embaixadores em Israel para consultas.
"Israel está gerando terrorismo de Estado. Israel é um Estado terrorista", disse o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
"Em vista da conduta indiscriminada e perigosa do último ataque israelense, o governo sul-africano tomou a decisão de chamar o embaixador Sisa Ngombane imediatamente até segunda ordem", declarou o ministério sul-africano de Relações Exteriores em um comunicado.
Enquanto os funcionários americanos e israelenses celebravam um momento "histórico" e a fortaleza de sua aliança sob um grande toldo branco colocado no terreno da nova embaixada em Jerusalém, milhares de palestinos protestavam a poucos quilômetros de distância, na Faixa de Gaza bloqueada.
Os mais atrevidos, arriscando suas vidas, enfrentaram os disparos de soldados israelenses lançando pedras e tentando forçar o dispositivo de segurança na região.
Segundo o Ministério da Saúde em Gaza, 55 palestinos morreram por disparos israelenses na fronteira com Israel, e centenas ficaram feridos.
Desde 30 de março, quando começou a "grande marcha do retorno", um movimento de protesto maciço ao longo da fronteira com Israel, morreram 109 palestinos por disparos israelenses.
A decisão dos Estados Unidos, denunciada e criticada por quase toda a comunidade internacional, quebra com décadas de diplomacia americana e de consenso internacional.
Por enquanto, somente Guatemala e Paraguai se comprometeram a imitar os Estados Unidos e transferir suas embaixadas para a Cidade Santa.
A Autoridade Palestina acusou Israel de cometer um "massacre horrível" na fronteira de Gaza com esse país e pediu "uma intervenção internacional imediata para frear" esta ofensiva, "cometida pelas forças israelenses de ocupação".
Netanyahu agradeceu a Trump, que, segundo ele, "fez história" ao transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém.
O secretário americano de Estado, Mike Pompeo, reafirmou o compromisso de seu país com uma "paz global e duradoura entre Israel e palestinos", mas não mencionou os mortos em um sucinto comunicado divulgado em Washington.
"Pedimos a todas as partes que atuem com a máxima moderação a fim de evitar mais perdas de vidas", declarou a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini.
O chefe da diplomacia iraniana, Javad Zarif, qualificou de "dia da vergonha" esta segunda-feira pelo "massacre" dos palestinos.
"É imperdoável que civis, jornalistas e crianças tenham sido vítimas", criticou a chefe da diplomacia canadense, Chrystia Freeland.
Milhares de pessoas se manifestaram desde a manhã na fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel. Os soldados israelenses abriram fogo quando os manifestantes se aproximaram da cerca, onde o Exército quase duplicou seus efetivos.
A organização Anistia Internacional (AI) pediu a Israel que acabe "imediatamente" com a repressão a tiros dos protestos na Faixa de Gaza, que qualificou como uma "abominável violação" dos direitos humanos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, também expressou sua preocupação com as violentas cenas deste dia.
Os israelenses veem na decisão americana o reconhecimento de uma realidade histórica de 3.000 anos para o povo judeu. Esta coincide com o 70º aniversário da criação do Estado de Israel, em pleno entusiasmo nacionalista e fervor pró-americano.
Mas a iniciativa unilateral americana causou um enorme desagrado entre os palestinos, que a consideram o resultado do posicionamento radical adotado pelo presidente Trump a favor dos israelenses desde que assumiu o cargo. Segundo eles, a transferência supõe a negação de suas reivindicações sobre Jerusalém.
Israel se apoderou de Jerusalém Oriental em 1967 e a anexou. Toda Jerusalém é sua capital "eterna e indivisível", afirma. Os palestinos, por sua vez, querem fazer de Jerusalém Oriental a capital do Estado ao qual aspiram.
Além disso, a religião agrava a sensibilidade do tema, pois Jerusalém é uma Cidade Santa para muçulmanos, judeus e cristãos.
Trump prometeu que faria a mediação entre israelenses e palestinos em um eventual acordo diplomático. Em 6 de dezembro, ao anunciar que reconhecia Jerusalém como capital de Israel, quis favorecer a busca de uma paz elusiva, "tirando Jerusalém do tabuleiro", afirmou.
Para a comunidade internacional, Jerusalém Oriental continua sendo um território ocupado, pelo qual as embaixadas não deveriam se instalar na cidade até que o status da mesma seja negociado entre as duas partes.
Dos 193 países da Assembleia Geral da ONU, 128 condenaram a decisão dos Estados Unidos, incluindo aliados desse país, como França e Reino Unido. A votação provocou a ira de Washington e ameaças de resposta de sua embaixadora na ONU, Nikki Haley.
O presidente francês, Emmanuel Macron, "condenou a violência das forças armadas" de Israel contra os manifestantes palestinos na Faixa de Gaza, durante conversas por telefone com o presidente palestino, Mahmud Abbas, e o rei Abdullah II da Jordânia, informou o Palácio do Eliseu.
Macron reafirmou "a desaprovação da França com a decisão americana de abrir uma embaixada em Jerusalém", e destacou que o estatuto da cidade "só pode ser determinado entre as partes, com base em negociações sob os auspícios da comunidade internacional".
Jerusalém se encheu de bandeiras israelense e americana, e de cartazes que diziam "Trump makes Israel great again" (Trump torna Israel grande de novo) e "Trump is a friend of Zion" (Trump é amigo de Sion).
Contudo, os palestinos consideram que a data escolhida é uma "provocação", 24 horas antes das comemorações da "Nakba", a "catástrofe" que constituiu a criação de Israel para milhares de palestinos, forçadas a fugir de seus lares em 1948.