Boric (esq.) e Kast, candidatos à presidência do Chile: as eleições de 2021 foram consideradas as mais polarizadas desde o retorno do país à democracia, em 1988 (ELVIS GONZALEZ/POOL/AFP/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2021 às 19h26.
Última atualização em 20 de dezembro de 2021 às 10h23.
Gabriel Boric é o novo presidente eleito do Chile. O candidato da coalizão de esquerda Apruebo Dignidad venceu o candidato de extrema-direita José Antonio Kast na votação deste domingo, 19. Kast reconheceu a derrota em suas redes sociais ainda antes do fim da apuração, e ligou para parabenizar Boric pela vitória.
A apuração caminhou rapidamente após o fechamento das urnas, às 18h, e pouco depois das 19h Boric já abria vantagem de cerca de 10 pontos percentuais, e continuou neste patamar desde então.
Boric venceu com 55,9% dos votos (4,6 milhões de votos), contra 44,1% de Kast (3,6 milhões de votos). Os números são da divulgação da última parcial, na madrugada desta segunda-feira, 20, e com 99,99% das urnas apuradas.
Além de ser o presidente eleito mais jovem da história do Chile, aos 35 anos, Boric foi o presidente eleito com mais votos na história do país da América do Sul. Com 8,3 milhões de votos ao total, a participação dos chilenos no segundo turno das eleições presidenciais foi a maior da história desde a redemocratização do país, em 1988.
Os primeiros resultados da votação dos chilenos na Austrália, Nova Zelândia, Coreia e Japão deram a Boric uma vitória retumbante, segundo registros consulares divulgados no Chile.
Cerca de 15 milhões de chilenos estavam aptos a ir às urnas neste domingo, 19, para escolher o novo mandatário do país. Mais de 2.500 postos de votação estavam em funcionamento.
As eleições foram consideradas as mais polarizadas desde o retorno do país à democracia, em 1988.
Até a eleição, pesquisas de opinião davam vitória a Boric, com uma vantagem entre 5 a 14 pontos.
Boric, da aliança Aprovo Dignidade, que reúne a Frente Ampla e o Partido Comunista e que recebeu, no segundo turno, apoio de toda centro-esquerda, propõe avançar para um Estado de Bem-Estar social, com uma série de direitos básicos garantidos.
Um deputado de 35 anos - a idade mínima para se candidatar - , Boric é vinculado aos protestos massivos de 2019 e defende um Estado com atenção especial às pautas feminista, ambientalista e regionalista.
"Somos novas gerações que entram na política com as mãos limpas, o coração quente, mas com a cabeça fria", disse Boric, após emitir seu voto em Punta Arenas, sua cidade natal.
Kast, um advogado católico de 55 anos, defende o combate à migração irregular e se posiciona contrariamente ao casamento gay e ao aborto. andidato pelo Partido Republicano, Kast se propõe a manter o modelo neoliberal imposto pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Ao votar na localidade rural de Paine, onde vive, nos arredores de Santiago, Kast falou em uma "eleição apertada", cogitando, inclusive, que possa ser definida nos Conselhos Eleitorais, encarregados de analisar os votos posteriormente.
Consultado pela imprensa, o candidato da extrema direita afirmou que o resultado pode ser definido por uma diferença de cerca de 50.000 votos. Boric garantiu que acatará o resultado "seja qual for".
O modelo deu estabilidade social e econômica ao Chile, mas foi fortemente questionado nas ruas em 2019. Em protestos multitudinários, a população exigiu mais igualdade e direitos sociais.
Com os dois candidatos trazendo propostas mais drásticas do que as dos grandes blocos de centro-direita e centro-esquerda que dividem o poder no país há três décadas, o próximo presidente será o mais esquerdista desde Salvador Allende (1970-1973) ou o mais direitista desde Augusto Pinochet.
"Os dois candidatos representam projetos muito diferentes e são apoiados por partidos muito diferentes nos extremos", disse à AFP María Cristina Escudero, doutora em Ciência Política pela Universidade do Chile.
Nunca antes, desde o retorno do país à democracia, em 1990, houve na disputa eleitoral candidatos que não pertencem nem à ex-Concertação, com partidos de centro-esquerda, nem à Aliança, de direita.
"Esta campanha foi encarada pela classe política da pior maneira (...) com uma imagem de polarização que é bastante enganosa", disse à AFP o analista político Marcelo Mella, da Universidade de Santiago.
Tratou-se de "uma competição centrada em desprestigiar o concorrente com denúncias que demonstrariam falta de integridade por parte dos candidatos. Isso não é, necessariamente, polarização. É um mecanismo para gerar um efeito visual e vencer essa eleição", diz Mella.
Nos últimos dias, os dois candidatos tentaram fazer discursos mais ao centro e mudaram os pontos mais radicais de seus programas em política fiscal, fundos de pensão e igualdade de gênero.
"Eu não sou um extremista" proclamou Kast na reta final da campanha, mesmo sendo perseguido por revelações de que seu pai, nascido na Alemanha, tinha sido um membro de carteirinha do partido nazista de Adolf Hitler.
Enquanto isso, Boric, que é apoiado por uma coalizão de partidos de esquerda que inclui o Partido Comunista do Chile, trouxe mais conselheiros centristas para sua equipe e prometeu que quaisquer mudanças seriam graduais e responsáveis do ponto de vista fiscal.
No primeiro turno de 21 de novembro, "ambos os candidatos somaram 54% dos votos, mas 46% dos eleitores votaram nos demais candidatos, portanto [Boric e Kast] foram forçados a se deslocar na direção dos eleitores muito mais moderados ou do centro", explicou à AFP o analista Mauricio Morales, professor da Universidade de Talca.
Na campanha eleitoral, ocorreu o que Morales ironicamente chamou de "milagre". Ambos os candidatos tiveram que "modificar seus programas de governo, levando os dois até a valorizar os últimos 30 anos de governos democráticos".
A baixa participação é uma tradição no país desde 2012, quando houve uma mudança no sistema eleitoral - de inscrição voluntária e voto obrigatório a inscrição automática e voto voluntário.
Se em 1989, por exemplo, 92,4% dos chilenos foram às urnas no primeiro turno da eleição presidencial, em 2013 a taxa de participação ficou em 49,3%. Nem mesmo os protestos de 2019 e o processo da nova Constituinte foram capazes de mudar o cenário.
Este ano, no primeiro turno, do qual Kast saiu como vencedor, com 27,9% dos votos contra Boric (25,8%), a participação chegou a 47%.
A falta de alinhamento entre as propostas dos candidatos e os anseios da população são um dos motivos principais para a alta abstenção no Chile, afirma o analista político e fundador do site de informação eleitoral e análise política TresQuintos Kenneth Bunker.
“Embora o problema seja estrutural, ele também tem muito a ver com os candidatos que disputam o segundo turno. Sabemos que quando os candidatos são muito agressivos em suas campanhas, quando há muita polarização, os argumentos não interessam muito às pessoas”, afirma. “Se não há proposições claras, as pessoas simplesmente não vão votar.”
Para ele, não é que as pessoas não se interessem pelo o que acontece na política, mas elas sentem que os partidos e candidatos em jogo não são capazes de satisfazer suas demandas. “No Chile, os partidos políticos não parecem ter as raízes na sociedade que uma vez tiveram. O eleitorado chileno é composto por pessoas moderadas, independentes, de centro, e não há nenhum partido político que encontre essa forma. Os dois candidatos que temos hoje vieram de extremos e propõem ideias que podem ser extremas para as pessoas, e nenhum partido político hoje se atreve a fazer uma campanha política de centro.”
Além disso, Boric e Kast não atraem nem ao menos todos os eleitores que irão votar. De acordo com a pesquisa mais recente da AtlasIntel, realizada entre os dias 1 e 4 de dezembro, 20% dos eleitores estão indecisos ou devem votar em branco ou nulo no segundo turno das eleições.
Há dois anos, ter essa configuração em um segundo turno pareceria impossível: nos 30 anos de democracia desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-90), se revezaram no poder no Chile grupos de direita ou centro-direita (como o atual presidente Sebastián Piñera) e de centro-esquerda (com nomes como a ex-presidente Michelle Bachelet). Pois nem Kast, nem Boric, vêm dessas coalizões.
A votação presidencial será encerrada às 18h (horário local, também 18h no Brasil). Os resultados preliminares são esperados algumas horas depois. Quem vencer deverá encontrar muitos desafios pela frente. O próximo presidente, que assumirá em março de 2022, precisará lidar com a recuperação econômica pós-pandemia, a inflação e a implementação das regras da nova Constituição chilena, que começou a ser elaborada este ano e pode entrar em vigor em 2022.
Quem vencer a disputa assumirá o mandato em março de 2022 com uma lista de desafios. A começar pela recuperação econômica pós-pandemia, a escalada da inflação e a implementação das regras da nova Constituição chilena, que começou a ser elaborada este ano e pode entrar em vigor em 2022.
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