Gabriel García Márquez: escritor entra para a história como criador de um maravilhoso universo próprio e extremamente original (Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2014 às 20h19.
Bogotá - O escritor colombiano Gabriel García Márquez, falecido nesta quinta-feira aos 87 anos, entra para a história como um repórter que retratou o mundo sob a lente do "realismo fantástico" e criador de um maravilhoso universo próprio e extremamente original.
Esta corrente, da qual é considerado um dos principais expoentes com "Cem anos de solidão" à frente, reflete as maravilhas que García Márquez assimilou desde seu nascimento, em 6 de março de 1927 em Aracataca, uma cidade do Caribe colombiano que alguma vez definiu como a "semente" da fictícia "Macondo".
As cenas dos Buendía naquela "Macondo" produtora de bananas tinham muito a ver com sua numerosa família do norte da Colômbia, da mesma maneira que o mundo mágico emanava das superstições de sua avó, e a radiografia histórica das guerras entre conservadores e liberais, das batalhas de seu avô coronel.
"Quis deixar constância poética do mundo da minha infância, que transcorreu em uma casa grande, muito triste, com uma irmã que comia terra e uma avó que adivinhava o porvir, e vários parentes de nomes iguais que nunca fizeram muita distinção entre a felicidade e a demência", explicou o Nobel.
Se algo marcou sua obra foi o afã de comprovar dados, de oferecer todo o contexto de um momento histórico e a arte de contar as coisas que ele resumiu no mantra: "o jornalismo é a melhor profissão do mundo".
García Márquez deixou a Colômbia em 1940 para estudar, com uma bolsa de estudos, no Liceu Nacional de Zipaquirá, uma cidade próxima a Bogotá onde conheceu o frio, a instrospecção e seu talento para a escrita, temporariamente frustrado pelo empenho de seu pai para que ele estudasse Direito.
No entanto, em setembro de 1947, publicou seu primeiro conto, "A terceira resignação", no jornal "El Espectador", e começou a forjar seu papel como promessa literária em Bogotá até que o assassinato do líder Jorge Eliécer Gaitán e os conseguintes distúrbios do "Bogotazo" o obrigaram a voltar para o litoral, em 1948.
Lá, se vinculou ao Grupo de Barranquilla, onde com intelectuais se aproximou dos clássicos russos, americanos e ingleses e aperfeiçoou seu estilo direto, já como colunista do "El Universal" de Cartagena, do "El Arauto" de Barranquilla e como crítico de cinema e repórter do "El Espectador".
A publicação de "La hojarasca" e sobretudo da reportagem por entregas "Relato de um náufrago" lhe valeu a censura do regime do último ditador da Colômbia, o general Gustavo Rojas Pinilla, o que marcou o início de sua carreira como correspondente pela Europa, a União Soviética, os Estados Unidos e a Venezuela.
"O filho do telegrafista", como se apresentava, fugiu sempre de se identificar como um intelectual de seu tempo, mas o foi, pois cultivou seu amor pela pintura e a música, fundou instituições como a Fundação Novo Jornalismo Ibero-americano (FNPI) e uma escola de cinema em Cuba.
Além disso, em sua etapa europeia, já tinha começado a se aproximar de célebres escritores como o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza e Mario Vargas Llosa, amigo próximo em Paris e de quem se afastou em 1976 quando o Nobel peruano lhe deu um soco no rosto em público por um episódio sobre o qual ambos guardaram secredo.
Em 1959, conheceu em Havana o triunfal líder da revolução cubana, Fidel Castro, momento no qual começou uma polêmica amizade que, segundo García Márquez, se baseava em paixões como a literatura e a gastronomia.
Como afirma seu biógrafo britânico Gerald Martin, Gabo tinha uma "enorme fascinação pelo poder" que o levou a ser amigo, entre outros, do espanhol Felipe González e do americano Bill Clinton, que há alguns anos lhe visitou em sua casa em Cartagena de Indias.
No começo dos anos 60, tinha se casado com Mercedes Barcha e tido seus dois filhos, Rodrigo e Gonzalo, com quem se mudou para o México. Lá, escreveu roteiros, assim como os romances "O coronel não tem quem lhe escreva", "A má hora" e o livro de relatos "Os funerais da Mamãe Grande".
Em 1967, chegou "Cem anos de solidão", obra com a qual esgotou estoques em livrarias e se consolidou como o pai de um estilo poliédrico, de uma rica prosa e de descrições detalhistas ao extremo.
Consolidado após esta obra que o poeta chileno Pablo Neruda qualificou como "o melhor romance escrito em castelhano desde "Dom Quixote", se seguiram quatro outros livros, três volumes de contos e dois relatos entre Barcelona, Cidade do México, Havana e Cartagena.
Em 1982, recebeu em Estocolmo o Prêmio Nobel de Literatura. A Academia explicou que o colombiano merecia o prêmio porque "seus romances e histórias curtas reúnem a fantasia e a realidade que combinam em um tranquilo mundo de imaginação rica, refletindo a vida e os conflitos de um continente".
Seu compromisso com as causas latino-americanas nunca minguou: participou como mediador nas tentativas frustradas de paz com as guerrilhas na Colômbia de 1985 e 1998-2002, rejeitou publicamente o bloqueio americano contra Cuba e assinou a "Proclama do Panamá" pela independência de Porto Rico.
Em 1999, lhe foi detectado um câncer linfático que superou escrevendo suas memórias "Viver para Contar" (2002), para se afastar dos holofotes da mídia e reaparecer nos dias de seu aniversário, sempre sorridente e tentando dissimular as lacunas da memória.
"A vida não é a que alguém viveu, mas a que alguém lembra e como a lembra para contá-la", afirmou certa vez. Menos mal, está documentada.