Trump confrontado por Merkel no encontro do G7 de 2018: segundo analistas, presença do presidente americano e do recém-eleito linha-dura britânico Boris Johnson tornam encontro imprevisível (Bundesregierung /Jesco Denzel/Handout//Reuters)
Da Redação
Publicado em 23 de agosto de 2019 às 06h41.
Última atualização em 23 de agosto de 2019 às 07h46.
São Paulo — Um oceano separa Reino Unido e Estados Unidos, mas os dois países estarão mais perto do que nunca neste fim de semana, durante a reunião do G7, o grupo que reúne as maiores economias do mundo. Será a primeira vez que o grupo contará com o recém-eleito premiê britânico, o conservador linha-dura Boris Johnson, que deve se juntar ao presidente americano, Donald Trump, em recorrentes embates com a União Europeia que devem vir a ser assunto na reunião.
O fórum começa neste sábado, 24, e vai até segunda-feira, 26, em Biarritz, na França. Criado em 1975, o chamado “grupo dos sete” é composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido (o grupo outrora se chamava G8, antes de a Rússia ser expulsa em 2014, após anexar o território da Crimeia). Os países representam 58% da riqueza global e são descritos pelo Fundo Monetário Internacional como as economias mais avançadas do globo.
Johnson usará o encontro para tentar negociar com os líderes europeus, a alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron, um novo acordo para concretizar o Brexit, saída do Reino Unido da União Europeia cujo prazo é outubro. Johnson quer um acordo mais favorável aos britânicos, mas a UE se recusa a afrouxar as condições.
Enquanto tem vida dura com os europeus, Johnson deve se aproximar de Trump, histórico apoiador do Brexit. O conselheiro de segurança americano, John Bolton, disse em viagem recente ao Reino Unido que os britânicos estariam “no começo da fila” para um acordo comercial com os EUA (seu segundo maior parceiro comercial). Há especulações sobre a possibilidade de que Washington e Londres tenham preparado um tratado provisório que entraria em vigor em 1º de novembro, um dia depois da data do Brexit.
Irritado, Macron disse nesta semana que o Reino Unido pode virar um “parceiro júnior dos EUA” e que os americanos não serão capazes de fazer o Reino Unido superar os impactos econômicos do Brexit.
Porém, os problemas para um acordo entre os dois países não demoraram a emergir. A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, advertiu que o Congresso não aprovará um pacto comercial com o Reino Unido que transgrida o tratado de paz da Irlanda do Norte.
O acordo de Sexta-feira Santa, assinado em 1998, exige que não haja uma fronteira alfandegária tradicional entre as Irlandas. Por isso, o compromisso de paz ficaria tecnicamente quebrado se o Reino Unido sair da UE sem ter aceitado a cláusula de segurança exigida pelo bloco.
O peso dos políticos de ascendência irlandesa no Congresso americano pode bloquear, portanto, as relações comerciais entre Washington e Londres em caso de um Brexit "rígido". Outro obstáculo é a falta de tempo para negociar um acordo comercial muito abrangente em apenas dois meses, daí a possibilidade de que seja feito um tratado parcial que evite o colapso de setores-chave como os de agricultura e indústria automobilística.
Esse convênio poderia transgredir, no entanto, a norma da Organização Mundial do Comércio (OMC) de que os acordos de livre-comércio devem cobrir "substancialmente todas as trocas" entre dois países, uma definição que costuma ser entendida como 90% delas.
A imprensa britânica informou que Trump, fervoroso defensor do Brexit, estuda a possibilidade de se reunir com Johnson antes do que com qualquer outro líder do G7 - até mesmo com o anfitrião, o presidente da França, Emmanuel Macron - como gesto simbólico para ressaltar a relação especial entre americanos e britânicos.
Além de tentar aproximar o Reino Unido da órbita comercial dos Estados Unidos, Johnson vai pressionar os líderes europeus para que aceitem renegociar o acordo do Brexit.
Johnson reforçará a posição de tirar o Reino Unido da União Europeia (UE) em 31 de outubro, mesmo se não conseguir até lá um novo termo. Por isso, também fará esforços para formalizar o mais rápido possível um tratado comercial com os EUA, ainda que parcial, para diminuir os efeitos de um eventual Brexit "rígido".
Nos contatos com Macron, com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o primeiro-ministro demissionário italiano, Giuseppe Conte, Johnson deve reforçar o pedido para que seja suprimido do acordo de saída da UE a polêmica cláusula de salvaguarda que evita a criação de uma fronteira com controle aduaneiro entre a Irlanda e a região britânica da Irlanda do Norte.
A UE apoia a salvaguarda como uma medida fundamental para proteger o processo de paz na Irlanda do Norte, enquanto Londres a interpreta como um impedimento para desenvolver sua própria política comercial após o Brexit e como um recurso para manter o Reino Unido alinhado com o bloco contra sua vontade.
Os líderes europeus têm se mantido firmes até agora na recusa em reabrir a negociação do acordo de saída que tinha sido feito com a ex-primeira-ministra britânica Theresa May, e por isso Johnson tem poucas chances de conseguir que a cláusula de salvaguarda seja suprimida.
Outro país membro do G7 que está preocupado com o Brexit é o Japão. O primeiro-ministro Shinzo Abe irá à cúpula com as prioridades de obter salvaguardas.
As consequências dessa saída "rígida" são temidas pelo país devido à grande presença de empresas japonesas em território britânico.
Visando obter garantias diante desse cenário, Abe terá o primeiro encontro bilateral na cúpula com o novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e também se reunirá com o presidente francês, Emmanuel Macron, segundo a imprensa japonesa.
Espera-se ainda que o primeiro-ministro japonês apoie Macron na defesa do livre-comércio, algo que pode se concretizar em uma declaração conjunta, similar à aprovada em Osaka, se os líderes do G7 conseguirem resolver suas diferenças.
Além do Brexit, também devem estar na mesa temas como o acordo nuclear com o Irã (do qual Trump se retirou mas que europeus tentam salvar) e a guerra comercial entre EUA e China. O desejo de taxação de grandes empresas de tecnologia (como Apple, Google e Amazon) também será tema, assim como a questão climática — o que pode trazer o Brasil e as ameaças à Amazônia à pauta.
A França quer focar as discussões ambientais na redução das desigualdades, estabelecendo como prioridade a proteção do planeta "através de uma transição ecológica justa que preserve a biodiversidade e os oceanos".
O afastamento da maior potência econômica mundial do âmbito de proteção meio ambiental aconteceu em 2017, quando os Estados Unidos se retiraram unilateralmente do Acordo de Paris, assinado em 2015.
O signatários tinham decidido limitar o aumento das temperaturas a menos de dois graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais. Desde então, em diversas cúpulas internacionais, o governo americano evitou se unir às declarações nesse âmbito.
Em maio, na reunião preparatória para a cúpula de Biarritz, os ministros do Meio Ambiente dos países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália e Japão) assinaram uma carta não vinculativa na qual se comprometeram a defender a biodiversidade.
No texto foram reconhecidos "os vínculos entre a proteção do meio ambiente, do crescimento econômico e das desigualdades" e que "os mais pobres dependem de forma desproporcional da biodiversidade".
No entanto, o documento não escapou das divergências mostradas pelos Estados Unidos desde que Donald Trump chegou à Casa Branca. Para conseguirem a adesão americana, os outros países aceitaram um ponto que dizia que "os EUA reiteram a intenção de se retirar do Acordo de Paris (sobre o clima) e reafirmam a firme vontade de promover o crescimento econômico, a segurança e o acesso energético, além da proteção do meio ambiente".
Na mesma linha, segundo fontes europeias, na cúpula deste ano será divulgado, no âmbito do clima e da biodiversidade, um "documento" que previsivelmente será respaldado pelos membros, mas "não necessariamente pelo G7" como um todo e que poderia incluir "reservas" por parte dos Estados Unidos.
Com poucas concordâncias, contudo, deve ser a primeira vez em 44 anos que o G7 terminará sem um documento com pontos em comum. Macron, anfitrião e líder das discussões do evento, disse que atos de Trump, como a saída do acordo climático de Paris, são a razão pela qual seria “sem sentido” tentar um acordo multilateral. No fórum do ano passado, no Canadá, Trump foi embora mais cedo, não assinou o documento e trocou insultos sobre comércio com o premiê canadense, Justin Trudeau.
Com as polêmicas de Trump o isolando dos outrora aliados, parte da imprensa internacional passou a dizer que o encontro de 2018 havia sido um “G6 + 1”. Agora, com a chegada de Johnson, o G7 pode ainda virar um “G5 + 2”.