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Do clima à distribuição de vacinas, G20 tenta resolver imensidão de crises

Reunião das principais economias do mundo em Roma marca a retomada presencial da cúpula, com vacinas, urgência climática e desigualdade na pauta

Protesto em Roma antes da cúpula do G20: pressão para medidas mais urgentes contra a crise climática (Filippo Monteforte/AFP)

Protesto em Roma antes da cúpula do G20: pressão para medidas mais urgentes contra a crise climática (Filippo Monteforte/AFP)

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Carolina Riveira

Publicado em 30 de outubro de 2021 às 08h00.

Última atualização em 1 de novembro de 2021 às 18h03.

Em junho de 2019, alguns dos principais líderes mundiais se reuniam em Osaka, no Japão. Era a 14ª reunião de cúpula do G20, grupo que representa algumas das maiores economias do mundo, incluindo o Brasil. Nas fotos sorridentes ao fim daquele encontro, mal sabiam os presentes o caos que estava por devastar o planeta com a pandemia da covid-19, declarada meses depois.

Agora, passados dois anos, os chefes de Estado do G20 voltaram a se encontrar a partir deste sábado, 30, em Roma, na Itália. O evento marca a primeira cúpula presencial desde o início da pandemia (no ano passado, a Arábia Saudita sediou virtualmente). Roma trará de volta as tão importantes reuniões bilaterais, conversas de corredores e encontros entre diplomatas e ministros, cruciais na diplomacia.

Mas apesar de alguma comemoração pela reabertura global, os protestos que têm pipocado diariamente não deixam que haja dúvida: há uma lista de delicadas crises aguardando os líderes do G20, e os próximos dias deixarão mais claro o quanto as maiores economias do mundo são capazes de chegar a um consenso para resolvê-las.

Na cúpula, a organização definiu entre os eixos temáticos principais a distribuição de vacinas, a retomada econômica e a crise climática. O último tema ganha ainda renovada importância pelo fato de o G20, neste ano, anteceder a COP 26.

Sob altas expectativas, a conferência do clima começa neste domingo, 31, em Glasgow, na Escócia. Muitos líderes que foram à Itália ficarão na Europa para passar pela COP, como o presidente americano, Joe Biden.

“De fato, o G20 ficou até mesmo um pouco ofuscado pela COP neste ano”, diz a professora de Relações Internacionais Helena Margarido Moreira, da Anhembi Morumbi, e especialista no papel da questão ambiental nas relações geopolíticas.

“O G20 sempre foi mais voltado para a economia e o sistema financeiro. Mas não é mais possível discutir economia e retomada sem pensar na crise climática.”

Foto de líderes do G20 em 2019, no Japão: pandemia trouxe desafios adicionais ao grupo (Alan Santos/PR/Reprodução)

E o que foi feito até agora nesta seara é, por todos os ângulos, insuficiente. Em relatório divulgado dias antes da cúpula do G20 e da COP, o Programa Ambiental das Nações Unidas apontou que o mundo perdeu a chance de usar a retomada pós-covid para mudar seu modus operandi. Só um quinto dos estrondosos gastos voltados à recuperação foram usados para cortar emissões. E mesmo que todas as promessas até agora sejam cumpridas, a redução nas emissões de carbono até 2030 será de somente 7,5%. Seria necessário cortar 45% para evitar a alta de 1,5 grau Celsius.

No G20, em comunicado a ser divulgado no fim da cúpula, países devem defender medidas para “manter o 1,5 grau ao alcance”, segundo esboço visto pela Reuters. Mas faltam planos concretos sobre como isso será feito.

“Apesar de o G20 não ter um poder específico, não gerar acordos, ele tem um grau de influência ainda muito grande no gerenciamento da economia global”, diz Moreira. “Então, a grande expectativa é que a reunião mostre o caminho para medidas mais ambiciosas.”

O debate acontece ainda em meio aos choques inflacionários nas cadeias produtivas e à crise energética que assola muitos países, da Europa ao Brasil. Tem sido um lembrete amargo de como a transição para uma economia de baixo carbono não será tranquila e sem rupturas.

O Brasil, por sua vez, chega questionado ao encontro, e é o país do G20 que mais regrediu nas metas de emissões. O presidente Jair Bolsonaro tem poucas agendas bilaterais planejadas, e não comparecerá à COP 26 na sequência.

Em uma ausência relevante, o presidente chinês, Xi Jinping, também não viajou para o G20 e para a COP, e enviou seu chanceler, Wang Yi.

Retomada desigual

A emergência climática não será, no entanto, o único tema no G20. A reunião acontece semanas após a maior parte dos países da África não conseguir atingir a meta de vacinar 10% da população contra a covid-19. Ao todo, embora 50% da população mundial tenha sido vacinada, o número é de só 3% em países de baixa renda, o que especialistas têm batizado de "apartheid vacinal".

“A governança global não funcionou neste primeiro ano de pandemia”, diz Bruno Martarello de Conti, do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica e do Centro de Estudos Brasil-China.

“Os países adotaram políticas nacionalistas — como se fosse possível resolver a pandemia em esfera nacional. Ficou provado que não é, e o G20 está pressionado a lidar com essa crise”, diz.

Vacinação na África: poucos países conseguiram cumprir meta de 10% de vacinados até 30 de setembro (AFP/AFP)

Novas doações de vacinas devem ser anunciadas, mas têm sido insuficientes até agora, apesar dos apelos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Uma das demandas é para que países ricos não só doem vacinas, como também cedam seu “lugar na fila” das entregas aos locais com menos doses.

No médio prazo, será preciso garantir ainda que países pobres consigam aumentar sua capacidade de produção de vacinas, para essa e as próximas pandemias. “A África nunca esteve bem posicionada para inocular sua população sem parceiros fortes”, escreveram os professores de saúde pública Ashish Jha e Andrew Iliff, da Universidade Brown, nos EUA, em artigo na revista Foreign Affairs. Os pesquisadores apontam que o continente tem 18% da população global, mas só 0,1% da capacidade de manufatura de vacinas.

(A capacidade de produção própria foi crucial para que o próprio Brasil tivesse volume amplo de vacinas contra a covid-19, com as produções de Butantan e Fiocruz.)

O problema não acontece só com as vacinas, mas com toda a retomada econômica. O produto interno bruto (PIB) da América Latina e do Caribe caiu quase 7% em 2020, e o desemprego beira os 11%, segundo o Banco Mundial. Na África do Sul, único país africano no G20, o desemprego oficial chega a 30%.

À medida em que países como EUA, europeus e China despejam bilhões de dólares em infraestrutura, tecnologias verdes, inteligência artificial e inovações na indústria, os países da periferia do mundo podem ficar ainda mais para trás na corrida da produtividade.

As populações mais pobres também estão entre alguns dos mais afetados pela crise climática.

Estudo do Instituto Internacional para o Meio-Ambiente e Desenvolvimento (IIED) afirma que 46 dos países menos desenvolvidos do mundo não têm condições de resistir a desastres intensificados pelas mudanças climáticas, como furacões e terremotos. Para amenizar o estrago, são necessários investimentos de 40 bilhões de dólares por ano.

Na prática, a pandemia jogou luz sobre um questionamento que já existia acerca das falhas na cooperação internacional, diz Marcelo Fernandes de Oliveira, especialista em relações internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp.

“De forma geral, as instituições internacionais têm perdido sua relevância”, afirma. Para ele, isso ocorreu, em parte, pela menor presença dos EUA nas relações exteriores nos últimos anos, algo que o governo Biden tenta agora retomar.

“É um momento de redesenhar a ordem econômica e política internacional. Esse novo ciclo passa pela ampliação da transparência nos governos e nos negócios e a atenção à questão da sustentabilidade. As instituições que hegemonizarem esses temas recuperarão sua relevância.”

A derrocada dos BRICs

O G20 não desconhece crises, tendo sido, ele próprio, gestado em resposta a algumas delas.

Embora exista desde o fim dos anos 1990, criado após as crises daquele década, o grupo só ganhou uma cúpula anual a partir de 2008, quando novo choque abalou as finanças globais.

Naquela ocasião, ficou claro que precisava-se de um fórum que fosse além do G7. Esse último inclui somente os principais países europeus, Japão e, quando ainda era G8, a Rússia — mas não tinha, por exemplo, países como China, Índia e Brasil, que estavam em franca ascensão no fim dos anos 2000.

O período de crise nos países desenvolvidos reforçou o papel dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), mas de lá para cá, a relação entre esses governos esfriou. Já o salto econômico esperado nos anos 2010 nunca veio, com exceção da China.

Encontro do G7, em junho: reuniões recentes não trouxeram soluções a problemas como a distribuição de vacinas (Photo by Leon Neal - WPA Pool/Getty Images)

Hoje, não é esperada uma atuação conjunta desses países no âmbito do G20, apesar de momentos pontuais, como a defesa da quebra de patente de vacinas, capitaneado por Índia e África do Sul em 2020. Países em desenvolvimento também têm defendido, nas discussões deste ano, que todas as vacinas aprovadas pela OMS sejam aceitas em viagens, o que enfrenta resistência de europeus.

“Mas apesar de algumas pautas comuns, dentro do G20 como um todo, o foco está muito em ações bilaterais. Há hoje uma convergência muito menor nas pautas desses 13 países que foram incorporados”, diz Conti, da Unicamp.

O consenso geral de que é preciso responder às novas crises está posto, mas o diabo mora nos detalhes. Os organismos de cooperação internacional não foram capazes de superar as diferenças até agora, e o G20 sofrerá dos mesmos desafios.

Seja como for, os países do “Grupo dos Vinte” representam 60% da população global, e 80% do que é produzido na economia. Se há uma solução para os problemas do mundo, ela precisará sair desse encontro. Como o coronavírus deixou claro, as crises não respeitam fronteiras.

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