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Futebol e política andam lado a lado em uma América do Sul caótica

O futebol sempre esteve na mira da política na região, mas nunca antes como um influente instrumento de apoio às manifestações sociais

Protestos no Chile: em um ano turbulento para a América do Sul, futebol também virou um instrumento de manifestação (Cristobal Olivares/Bloomberg)

Protestos no Chile: em um ano turbulento para a América do Sul, futebol também virou um instrumento de manifestação (Cristobal Olivares/Bloomberg)

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AFP

Publicado em 1 de janeiro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 1 de janeiro de 2020 às 07h00.

O futebol, de longe o esporte mais popular da América do Sul, sempre esteve na mira da política na região, mas nunca antes como um influente instrumento de apoio às manifestações sociais que se espalharam pelo continente nos últimos meses.

Com a Venezuela em crise persistente, o Equador em dificuldades com protestos indígenas ou o Peru lidando com escândalos que envolvem sua classe política, o Chile exibia uma sociedade calma e uma economia estável.... até o dia 18 de outubro, quando uma manifestação de estudantes contra o aumento nas tarifas do metrô de Santiago se tornou o maior tumulto social no país em três décadas, deixando 24 mortos.

A crise obrigou a suspensão do futebol chileno por mais de um mês. A incerteza sobre a continuidade dos torneios profissionais acabou em 29 de novembro, quando a Associação Nacional de Futebol Profissional (ANFP) decidiu cancelar definitivamente o campeonato da primeira divisão e coroar a Universidad Católica como campeã, com várias rodadas ainda a disputar.

A decisão foi tomada após um grupo de torcedores organizados do Colo Colo -clube mais popular do país- invadir a partida entre o Unión La Caldera e o Iquique, uma nova rejeição popular a uma das muitas tentativas de reiniciar o torneio.

"Lamentavelmente tivemos que encerrar nossas competições, porque as condições de segurança não estavam garantidas", declarou Sebastian Moreno, presidente da ANFP.

Os torcedores do Colo Colo e de outras equipes chilenas deixaram suas diferenças de lado e se somaram às maciças manifestações sociais na praça Itália de Santiago, epicentro dos protestos, onde as bandeiras das equipes rivais podiam ser avistadas lado a lado.

"O futebol é um fenômeno social que tende a projetar e a denunciar as problemáticas sociais", explicou à AFP Rodrigo Figueroa, acadêmico do departamento de Sociologia e coordenador do Núcleo Esporte e Sociedade da Universidade do Chile.

Jogadores chilenos famosos como Alexis Sánchez, da Inter de Milão, ou Arturo Vidal, do Barcelona, apoiaram nas redes sociais as manifestações no Chile, "dando um sinal claro de que estavam de acordo com o discurso social" projetado pelo futebol, completou Figueroa.

Futebol e protesto

E enquanto a Bolívia sofria, também em outubro, com sua própria crise, com Evo Morales reeleito pela quarta vez em 13 anos numa eleição polêmica e milhares de pessoas protestavam nas ruas em violentas manifestações, o futebol boliviano foi igualmente suspenso por várias semanas.

A Conmebol também decidiu transferir para o Paraguai o Sul-Americano sub-15 que deveria ser disputado na Bolívia, enquanto a seleção do país cancelou um amistoso que jogaria contra o Panamá em 19 de novembro.

Apesar da crise, o futebol boliviano voltou a ser disputado em 25 de novembro, duas semanas depois de Evo Morales renunciar à presidência, pressionado pela Forças Armadas, um motim da polícia e por um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que confirmou irregularidades no processo eleitoral.

Mas o golpe mais duro contra o futebol chileno foi dado pela Conmebol, que transferiu de Santiago para Lima a primeira final única da Copa Libertadores devido ao receio com as dimensões dos protestos, apesar da insistência do governo chileno para manter a partida em seu solo. A primeira final em jogo único desde a criação da competição continental, em 1960, acabou vencida pelo Flamengo, que superou o River Plate (2-1) na capital peruana.

Um drible na crise

Desde que em 2014 a crise política explodiu na Venezuela, com violentas manifestações contra o presidente Nicolás Maduro, se temeu que a violência tomasse conta das arquibancadas devido à falta de segurança.

Os recorrentes apagões elétricos, que começaram em março daquele ano, afetando várias cidades venezuelanas, restringiram os jogos que se disputavam à noite e obrigou os clubes a programar os jogos de dia, em pleno sol.

Contudo, diferentemente do que aconteceu no Chile e na Bolívia, o torneio nacional venezuelano não parou e suas equipes continuaram participando normalmente dos torneios internacionais.

Curiosamente, o melhor resultado da história do futebol venezuelano aconteceu em 2017, em plena crise, quando a seleção sub-20 do país disputou a final da Copa do Mundo da categoria contra a Inglaterra.

Na Colômbia, o toque de recolher decretado em final de novembro pelo governo do presidente Iván Duque, que também enfrenta grandes manifestações sociais, obrigou o adiamento do duelo entre Santa Fe e Deportivo Cali pelo Campeonato Colombiano, que não foi suspenso.

A Colômbia sediará em conjunto com a Argentina a Copa América-2020.

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