Jorge Mario Bergoglio, recém-eleito papa Francisco, celebra missa com os cardeais na Capela Sistina, no Vaticano (REUTERS / Vaticano CTV)
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2013 às 06h57.
Buenos Aires - Em sua primeira missa no Vaticano, o papa Francisco defendeu uma Igreja ativa e comprometida, uma exigência em linha com sua preocupação social, que, por sua vez, contrasta com seu conservadorismo em temas como o casamento gay e o aborto.
A chamada lançada nesta quinta-feira perante os cardeais reunidos na Santa Sé está em sintonia com a exigência feita aos sacerdotes argentinos em sua última carta pastoral como arcebispo de Buenos Aires, antes de viajar a Roma.
No texto, enviado quando ainda era "apenas" o cardeal Jorge Bergoglio, o papa Francisco dizia que os párocos e os líderes de comunidades educacionais deveriam "sair, compartilhar e anunciar".
"O tempo urge. Não temos o direito de ficar acariciando a alma", disse o então cardeal, conhecido na Argentina por seu empenho em sair às ruas e manter contato com os fiéis e por seu respaldo ao trabalho dos padres que atendem as zonas mais desfavorecidas de Buenos Aires.
As pessoas próximas a ele sublinham sua preocupação social e lembram as denúncias que lançou desde o púlpito para lutar contra a pobreza e a prostituição, além de impulsionar a educação.
"A escravidão não está abolida", disse em 2011. Em Buenos Aires, "é a ordem do dia. Esta cidade fracassou e segue fracassando em nos livrar dessa escravidão estrutural que é a situação de rua".
"É preciso indignar-se contra a injustiça que o pão e o trabalho não cheguem a todos", denunciou no ano passado.
A crise também foi alvo de suas críticas: "a crise e o consequente aumento da pobreza tem suas causas em políticas inspiradas em formas de neoliberalismo que consideram o lucro e as leis de mercado como parâmetros absolutos em detrimento da dignidade das pessoas e dos povos".
Essa postura social contrasta com o alinhamento com os setores mais conservadores da Igreja Católica em questões tão sensíveis como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o aborto, dois dos temas que geraram choques com o Governo de Cristina Kirchner.
Em 2010, Bergoglio liderou o que chegou a chamar de "batalha de Deus" contra a aprovação da lei promovida pelo Governo que tornou a Argentina o primeiro país da América Latina a reconhecer o casamento gay.
"Não sejamos ingênuos, não se trata de uma simples luta política: é a pretensão destrutiva do plano de Deus", chegou a dizer então o arcebispo, que anos depois se opôs também à lei que permite aos transexuais escolher o sexo que figura em seu registro.
Para Bergoglio, "o aborto nunca é uma solução". "Percebe-se mais uma vez que se avança deliberadamente em limitar e eliminar o valor supremo da vida e ignorar os direitos das crianças de nascer".
Apesar das boas relações que manteve com a administração de Mauricio Macri, não duvidou em qualificar de "lamentável" a decisão do prefeito de Buenos Aires de regulamentar os abortos puníveis na cidade.
No ano passado, Francisco se mostrou mais tolerante com o batismo de bebês concebidos fora do casamento, quando afirmou que "há presbíteros que não batizam os filhos das mães solteiras. Esses são os hipócritas de hoje, os que afastam o povo de Deus da salvação".
Sua eleição como papa reavivou a polêmica sobre o papel da Igreja durante a última ditadura militar (1976-1983), e organizações humanitárias afins ao Governo lembraram que Francisco foi testemunha em julgamentos sobre delitos de lesa-humanidade.
"Fiz o que pude com a idade que tinha e as poucas relações com as quais contava para advogar pelas pessoas sequestradas", declarou Bergoglio no livro "O jesuíta", dos jornalistas Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, no qual relatou que cedeu sua carteira de identidade a um sacerdote para que fugisse ao Brasil durante a ditadura.
Francisco foi acusado de não ter dado proteção a dois jesuítas que foram detidos em uma vila e libertados cinco meses depois.
Seus opositores também lamentam o silêncio da Igreja argentina após as penas infligidas em 2002 a sacerdotes condenados por abusos de crianças.