Mundo

FMI: os 10 mandamentos para sair da crise

Economista-chefe e diretor de assuntos fiscais do órgão ensinam como equilibrar cortes de gastos com estímulos monetários

FMI divulga mandamentos para os países saírem da crise (.)

FMI divulga mandamentos para os países saírem da crise (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

 

São Paulo - O grande desafio dos países desenvolvidos é calibrar os cortes de gastos sem atrapalhar a recuperação econômica. Se o ajuste fiscal for muito intenso, sufoca a atividade produtiva. "O ajuste fiscal é fundamental para aumentar o investimento privado e o crescimento no longo prazo. Também pode ser a chave, pelo menos em alguns países, para evitar distorções no mercado financeiro que teriam impacto imediato sobre o crescimento por meio de efeitos nos índices de confiança e na oferta de crédito", diz o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard.

Em artigo publicado no blog do Fórum Econômico Mundial do FMI, Blanchard e o diretor de assuntos fiscais do órgão, Carlo Cottarelli, alertam que "um ajuste fiscal excessivo poderá sufocar a recuperação econômica".  Os dois especialistas receitam dez mandamentos para equilibrar as necessidades de curto e longo prazos. "Simplificando, os países ricos precisam de clareza nos objetivos, uma calibragem adequada das metas fiscais e de reformas estruturais com uma ajudinha da política monetária e de seus mercados amigos (os emergentes)".

1º mandamento: Você deve ter um plano fiscal de médio prazo que seja crível com uma âncora visível (em termos de ritmo de uma média de ajuste ou de uma meta fiscal a ser alcançada em quatro ou cinco anos).

Não existe uma regra simples que se encaixe em todos os casos. Nossas atuais projeções macroeconômicas indicam que uma melhoria média do saldo primário anual de cerca de um ponto percentual durante os próximos quatro a cinco anos seria consistente com um gradual fechamento do hiato do produto, tendo em conta as expectativas atuais sobre a demanda do setor privado, e iria estabilizar a proporção média da dívida em meados desta década. Os países com dívidas ou déficits mais elevados deveriam fazer mais; outros deveriam fazer menos. Um ritmo de ajuste deve ser acompanhado por gastos bastante específicos e projeções de receitas e apoiado por reformas estruturais (veja abaixo).

2º mandamento: Você não deve concentrar o ajuste fiscal a menos que as necessidades de financiamento tornem isso necessário.

Para alguns países, acelerar o ajuste pode ser necessário para manter o acesso aos mercados e financiar o déficit a taxas razoáveis - mas, em geral, um ritmo constante de ajuste é mais importante do concentrá-lo num curto período, o que poderia prejudicar a recuperação econômica. No entanto, é importante executar uma parcela inicial do esforço fiscal, pois apenas promessas de ação futura não serão suficientes.

Os planos atuais de consolidação orçamentária nos países do G-20 implicam, em média, numa redução do déficit de cerca de 1,25 ponto percentual do PIB em 2011, dependendo das circunstâncias de cada país. Isso nos parece bastante adequado e coerente com base nas projeções atuais sobre a recuperação da demanda agregada. Se não é adequado antecipar o aperto fiscal no curto prazo, é importante acelerar a aprovação de medidas políticas (que podem se efetivar em uma data posterior) para reforçar a credibilidade do ajuste.

 


 

 3º mandamento: Você deverá atingir um declínio na relação dívida pública/PIB no longo prazo, e não apenas buscar a sua estabilização em níveis pós-crise.

A elevada dívida pública tende a aumentar as taxas de juros, reduzir o potencial de crescimento e impedir a flexibilidade fiscal. Desde o início dos anos 1970, a dívida pública nos países mais avançados têm sido o amortecedor final dos choques negativos, subindo nos momentos ruins e não recuando nos bons tempos. No G-7, a dívida bruta média foi de 82% do PIB em 2007, um nível nunca antes alcançado sem uma grande guerra. O atual problema fiscal é devido não só à crise, mas também à forma como ela foi mal administrada durante os tempos de bonança. Desta vez, precisa ser diferente: o objetivo final deve ser reduzir a proporção da dívida pública gradualmente e regularmente.

4º mandamento: Você deve centrar-se sobre os instrumentos de consolidação orçamentária que são indutoras do forte crescimento.
 
Isso exigirá foco na direção dos cortes de gastos, já que a proporção da despesa pública é alta nos países avançados e requer níveis de tributação que distorcem a economia. Uma saída é trocar a transferência universal de renda pelas transferências sociais que gerariam uma economia significativa, além de proteger os pobres. Será também necessário conter os salários do setor público - que subiram acima do PIB de vários países desenvolvidos na última década.

Dito isto, nada deve ser descartado. Os países com baixos volumes de receitas e com grandes necessidades de adaptação - como a União Europeia e o Japão - também terão de atuar do lado das receitas. Prometer que não haverá nenhum imposto novo, em todos os países e circunstâncias, não é realista.

5º mandamento: Você deve antecipar as reformas da Previdência e da Saúde já que as tendências atuais são insustentáveis.
 
Aumentos das aposentadorias e pensões e das despesas de saúde representaram, nas últimas décadas, mais de 80% do aumento da despesa pública primária em relação ao PIB nos países do G-7. O valor presente líquido de futuros aumentos nos gastos nessas áreas é mais de dez vezes superior ao aumento da dívida pública gerado pela recente crise.

Qualquer estratégia de consolidação orçamentária deve envolver reformas nessas duas áreas. Isto inclui a Europa, onde as projeções oficiais subestimam largamente as tendências das despesas com saúde. Dada a magnitude dos gastos envolvidos, a antecipação de ações nestas áreas terá efeitos mais positivos para o aumento de credibilidade do que a concentração de um ajuste fiscal amplo no curto prazo. E não colocará em risco a recuperação econômica. Realmente, algumas medidas nesta área - embora politicamente difíceis - poderiam ter efeitos positivos sobre a demanda e a oferta (por exemplo, estabelecendo um aumento da idade mínima para a aposentadoria).

6º mandamento: Você deve ser justo. Para ser sustentável ao longo do tempo, o ajuste fiscal deve ser correto.

Ser correto, nesse contexto, tem várias dimensões, incluindo a manutenção de uma rede de segurança social adequada e a prestação de serviços públicos que permitam uma igualdade de condições, independentemente das condições sociais. Combater a evasão fiscal é também um componente fundamental para essa justiça social. Tomando o exemplo do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), um imposto que é relativamente resistente à fraude, a evasão fiscal média é de 15% das receitas do G-20 em países avançados. Sonegação de outros impostos tende a ser ainda maior.

 


 7º mandamento: Você deve implementar amplas reformas para impulsionar o crescimento potencial.

O forte crescimento tem um efeito surpreendente sobre a dívida pública: um aumento de um ponto percentual no crescimento potencial - assumindo uma carga tributária de 40% - reduz a relação da dívida em 10 pontos percentuais no prazo de cinco anos e até 30 pontos percentuais em 10 anos, no limite máximo das receitas. Uma aceleração das reformas trabalhista, produtiva financeira será, portanto, crucial.

No atual contexto de fraca demanda agregada, as reformas que aumentem o investimento são mais desejáveis do que as reformas que a estimulem a poupança. Embora ambas tenham efeitos positivos no longo prazo, as reformas que atraem investimentos aumentam a demanda no curto prazo, enquanto o aumento da poupança tem efeito oposto. Uma palavra de cautela, no entanto: o tempo e magnitude dos efeitos de reformas estruturais para o crescimento são incertos; os planos de ajuste fiscal que dependem de um crescimento mais rápido podem não ser críveis.

8º mandamento: Você deve fortalecer suas instituições fiscais.

Manter o ajuste fiscal ao longo do tempo requer instituições financeiras apropriadas. As instituições atuais permitiram uma acumulação de dívida pública recorde antes da crise. Eles são insuficientes. Isso requer uma melhor regulamentação fiscal, inclusive na Europa; melhorar a elaboração orçamentária, incluindo o papel do Congresso nos Estados Unidos; e um melhor controle orçamentário feito por meio de agências independentes como as criadas recentemente no Reino Unido.

9º mandamento: Você deve corretamente coordenar a política monetária e fiscal.
Se a política fiscal está em fase de aperto, as taxas de juros não devem ser aumentadas tão rapidamente como em outras fases da recuperação econômica. Defender agora um aperto monetário nas economias avançadas é descabido.

10º mandamento: Você deve coordenar as suas políticas econômicas com outros países.

Em alguns países avançados, a redução dos déficits orçamentários deve vir com a redução do déficit em conta corrente. Dito de outra forma, se a recuperação deve ser mantida, os efeitos adversos iniciais da consolidação fiscal sobre a demanda interna têm que ser compensados por uma maior demanda externa. Mas isso implica que o oposto aconteça no resto do mundo.

Em uma série de economias de mercado emergentes, superávits em conta corrente devem ser reduzidos, e esses países devem passar da demanda externa para interna. As recentes decisões tomadas pela China (flexibilização do câmbio) são, neste contexto, um passo importante. Coordenação política também será importante em algumas áreas estruturais.

"Siga esses mandamentos e as chances são altas de você conseguir a consolidação orçamentária e o crescimento sustentado", dizem Olivier Blanchard e Carlo Cottarelli, do FMI.

 

Acompanhe tudo sobre:Ajuste fiscalCrescimento econômicoDesenvolvimento econômicoEstados Unidos (EUA)EuropaPaíses ricosUnião Europeia

Mais de Mundo

Trump nomeia Robert Kennedy Jr. para liderar Departamento de Saúde

Cristina Kirchner perde aposentadoria vitalícia após condenação por corrupção

Justiça de Nova York multa a casa de leilões Sotheby's em R$ 36 milhões por fraude fiscal

Xi Jinping inaugura megaporto de US$ 1,3 bilhão no Peru