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Fishkin, de Stanford: a política causa impasse e deve ouvir mais o cidadão

Para cientista político criador de uma tecnologia para monitorar a opinião pública usada em 100 países, política pública deve escutar mais a população

Fishkin, de Stanford: "Conectar o debate público com o que as pessoas de fato querem pode elevar a legitimidade de um governo" (Divulgação/Divulgação)

Fishkin, de Stanford: "Conectar o debate público com o que as pessoas de fato querem pode elevar a legitimidade de um governo" (Divulgação/Divulgação)

LB

Leo Branco

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 10h00.

Última atualização em 1 de outubro de 2020 às 11h22.

O cientista político James Fishkin é um entusiasta da democracia – e dos meios alternativos para descobrir o que os cidadãos querem de fato para seu país. 

Professor de ciência política na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, Fishkin desenvolveu um método para transformar os anseios da população em política pública.

Chamado de Deliberative Polling (votação deliberativa, numa tradução livre ao português), o sistema seleciona cidadãos de maneira aleatória - numa tentativa de, mais ou menos, refletir os diferentes extratos de uma população.

Com uso de tecnologia, o sistema de Fishkin acompanha e coleta as mudanças de opinião desse contingente a respeito de assuntos da vida pública – as mudanças necessárias na Constituição de um país, por exemplo. 

O sistema monitora mudanças de opinião dos participantes de acordo com o tipo de informação recebida por eles via imprensa ou na conversa com familiares e amigos.

A partir dessa monte de dados gerados por anseios, queixas e opiniões do cidadão, a ideia do sistema de Fishkin é auxiliar políticos a tomar decisões mais bem embasadas sobre as políticas públicas. 

Atualmente, esse tipo de votação deliberativa está sendo usado pelo Senado do Chile para definir as prioridades para a Assembleia Constituinte do país, prevista para começar os trabalhos neste ano e postergada para 2021 por causa da pandemia.

O sistema também deve ajudar o parlamento do Reino Unido a entender as queixas dos cidadãos sobre o Brexit, uma negociação diplomática cada dia mais enrolada entre o governo do primeiro-ministro britânico Boris Johnson e a União Europeia

Em três décadas de "democracia deliberativa", o sistema de Fishkin já auxiliou autoridades de 100 países.  

Num cenário de um debate público bastante interditado ao diálogo mundo afora – basta lembrar o caos do primeiro debate da eleição presidencial americana de 2020, entre Joe Biden e Donald Trump, na última terça-feira -, Fishkin vê o seu sistema como mais essencial do que nunca para encontrar consensos.

Nesta quinta-feira, 1° de outubro, o cientista político vai participar de um debate virtual com políticos brasileiros no 13º Encontro de Líderes, organizado pela ONG Comunitas, dedicada à inovação na gestão pública brasileira. 

Entre os políticos confirmados estão o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e os governadores tucanos João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul.

Por e-mail, Fishkin antecipou à EXAME os temas a serem abordados na conversa de hoje, marcada para às 17h. Para o cientista político, instituições como parlamentos costumam produzir impasses difíceis de solucionar. “E, por isso, elevam as suspeitas do público sobre a capacidade de ação da elite política”, argumenta o cientista político. “A demanda por fóruns desse tipo vem do desejo do povo de ser ouvido de uma forma representativa e atenciosa.”

A confiança na democracia está caindo em diversos países do mundo. Como a sua proposta de democracia deliberativa, com o uso maciço de pesquisa de opinião, pode responder a esse problema?

A democracia deliberativa que proponho, e outros métodos de democracia deliberativa, podem ajudar a conectar as opiniões, informações e julgamentos do público com a agenda de política pública. Conectar o governo e o diálogo público com o que as pessoas de fato querem pode elevar a legitimidade de um governo.

Em muitos países, como Estados Unidos, Reino Unido, França e Irlanda, tem havido uma onda de assembleias populares e de referendos para decidir assuntos que, no passado, eram tratados em instâncias políticas, como os parlamentos. O que está por trás dessa tendência?

As instituições da democracia representativa, como os parlamentos, não raro produzem impasses difíceis de solucionar. E, por isso, elevam as suspeitas do público sobre a capacidade de ação da elite política. Se as ações de governo estão de alguma maneira conectadas com o que o público quer, elas têm mais chances de conquistar a simpatia dos cidadãos. A demanda por fóruns desse tipo vem do desejo do povo de ser ouvido de uma forma representativa e atenciosa.

Qual a diferença entre o seu modelo de votação deliberativa e outros métodos de escutar os cidadãos, como pesquisas de opinião ou assembleias populares?

As pesquisas de opinião tradicionais apenas refletem a impressão do público sobre o que leram manchetes ou em pedaços de informação. O método de votação deliberativa que tenho aplicativo em muitos países tenta representar o que o público de fato quer – e o porquê disso. Usamos bases de dados amplos na tentativa de representar de maneira mais fidedigna o desejo de vários segmentos da população. Os resultados podem, então, serem mais protegidos de pressões sociais comuns a alguns grupos. 

Políticos mundo afora estão às voltas com um público irado, em boa medida motivado por fake news. Há técnicas efetivas para chegar a consensos numa situação dessas?

Um jeito de conduzir a discussão de maneira efetiva é moderá-la em pequenos grupos e com questões apresentadas por especialistas ou formuladores de políticas públicas com opiniões distintas entre si. A moderação dessa discussão em pequenos grupos garante uma discussão civil e uma participação praticamente igual para que ninguém seja marginalizado.

O populismo e o nativismo ameaçam essa maneira de fazer democracia?

As vozes iradas do populismo e do nativismo, que podem motivar a exclusão de alguns grupos, ameaçam a democracia deliberativa. Toda a ideia da democracia deliberativa é pensar sobre as razões a favor e contra várias propostas de políticas. Requer diálogo civil e respeito mútuo. O populismo às vezes pode significar vozes raivosas.

No longo prazo, essa atividade cidadã pode minar as instituições democráticas, por exemplo, os parlamentos, ao tomar seu lugar? 

Em minha opinião, deve complementar, em vez de substituir. Os parlamentares devem prestar atenção a milhares de pesquisas de opinião num momento em que os cidadãos não estão prestando muita atenção ao assunto. Eles podem, inclusive, atender melhor aos interesses dos cidadãos se também prestarem atenção ao que os cidadãos estão dizendo em dinâmicas como as votações deliberativas.

Qual é o impacto da covid-19 e do distanciamento social nesse sistema de votação proposto pelo Sr.? 

Na verdade, estamos mais ocupados do que nunca com colaboradores ao redor do mundo, fazendo votação deliberativa com boas amostras aleatórias no Zoom ou em nossa plataforma online especial. Temos um projeto nacional em breve no Reino Unido sobre a transição pós-Brexit, além de um projeto planejado com o Chile, patrocinado pelo Senado, que acontecerá online a partir de janeiro. A ideia é ouvir pequenos grupos em vídeo e uma amostra de várias centenas de pessoas. Temos planos de expansão para o Canadá e em outros países.

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