O governo de Cristina Kirchner reforçou o papel da Administração Federal de Receita Pública (Afip), o órgão arrecadador de impostos (Getty Image)
Da Redação
Publicado em 8 de agosto de 2012 às 19h55.
Buenos Aires - O governo argentino transformou o fisco em um tipo de ''Big Brother'' que controla desde as despesas dos consumidores até seus planos de férias.
Em seu afã por aumentar a arrecadação e ''desdolarizar'' a economia, o governo de Cristina Kirchner reforçou o papel da Administração Federal de Receita Pública (Afip), o órgão arrecadador de impostos.
Além das restrições cambiais, conhecidas popularmente como ''cerco ao dólar'', foram criadas polêmicas iniciativas como o controle das faturas de serviços ou até mesmo da lista de compras de supermercado.
O ''cerco ao dólar'', que começou como uma fórmula para reduzir a fuga de divisas, foi endurecendo progressivamente até o ponto em que só os argentinos que comprovem uma viagem ao exterior podem conseguir autorização da Afip para comprar moeda estrangeira.
A partir da próxima segunda-feira, os viajantes conseguirão apenas a moeda do país de destino, com um máximo de despesas equivalentes a US$ 70 por dia.
As restrições ao dólar já se refletem em uma significativa queda das vendas de imóveis, uma atividade ''dolarizada'' que está se ''pesificando'' progressivamente, enquanto a moeda americana alcança no mercado negro níveis até 40% superiores ao valor oficial nas casas de câmbio.
A polêmica sobre o impacto destas medidas no setor imobiliário gerou em julho grande polêmica, quando a própria presidente se referiu em público ao caso de um empresário que fez declarações a um jornal local sobre a queda da atividade pelas restrições ao dólar.
Cristina surpreendeu a todos quando, em discurso transmitido em cadeia nacional, explicou que tinha pedido à Afip um relatório sobre o empresário em questão e tinha comprovado que ele não apresentava declarações de renda desde 2007.
O tema voltou a ser discutido essa semana depois que um juiz do balneário portenho de Mar del Plata concedeu uma liminar a um casal que pretende comprar seu imóvel em dólares.
O juiz ordenou à Afip que autorize de forma imediata o casal a adquirir US$ 16 mil para cobrir parte de uma operação imobiliária e qualificou as restrições como ''ilegítimas e arbitrárias'' porque ''cerceiam os direitos dos cidadãos.
O governo também está de olho nos ''grandes consumidores'' de serviços, como eletricidade ou telefone, e a Afip prestará atenção a partir de agora nos usuários que paguem mais de mil pesos (cerca de US$ 225) em suas contas.
Até a lista de compras do supermercado é objeto de investigação para a Afip, que em virtude de uma antiga resolução, de 1998, pode investigar clientes que comprem mais de mil pesos.
O número é facilmente alcançável por uma família padrão de quatro membros em um país onde os preços se multiplicaram nos últimos anos, com uma inflação real anual próxima de 25%, segundo cálculos independentes que o governo se nega a reconhecer.
A medida afeta as compras em supermercados, lojas de roupa e empresas de serviços, embora algumas das grandes redes, para evitar embaraçosos trâmites que possam incomodar seus clientes, optaram por dividir as contas que superam o limite.
O fisco, explicou à Agência Efe o economista Fausto Spotorno, ''atua como um Big Brother, especialmente na questão do dólar'', e o governo trata de utilizá-lo como ''método de pressão para evitar que os consumidores comprem dólares e para controlar as operações imobiliárias''.
Com estas medidas, não é de se estranhar que a Afip tenha declarado recentemente que as ações de fiscalização e controle durante o primeiro semestre de 2012 aumentaram em cerca de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior. No entanto, acrescentou Sportono, as ações da Afip não se traduziram em aumento da arrecadação tributária real.
''Segue havendo uma evasão similar, de 30 a 40%, impulsionada pelo trabalho informal, que não baixa dos 34%'', opinou o economista-chefe do Centro de Estudos Econômicos, Orlando Ferreres.
Com o enorme peso da economia paralela, aumenta a pressão fiscal sobre as empresas. A Argentina é o sexto país com maior pressão tributária empresarial do mundo, de acordo com um relatório do Banco Mundial, lembrou Sportorno, para quem o ''cerco ao dólar'' tem ainda um longo caminho.
''Há um gasto público recorde e a Argentina precisa de bilhões de dólares para pagar sua fatura energética'', concluiu.