"Não há paz sem fome", diz pichação em Caracas, na Venezuela (Marco Bello/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 30 de setembro de 2018 às 06h00.
Última atualização em 30 de setembro de 2018 às 06h00.
Joel Jr. foi o primeiro a ir embora na mais recente onda; ele desistiu de ser taxista e pegou um ônibus para o Peru. David, meu mecânico, logo depois seguiu o exemplo dele. Anelkis, que vendia meu café da manhã, disse que já estava cansada e se mandou para a Colômbia. A gerente do nosso escritório, Tamara, pediu demissão e foi para o Equador. Miguel, o lavador de janelas, também foi.
E depois, meus amigos: Luis e Rupo para a Espanha, Simon e Willy para Berlim, Eyanir para o México, Jon, surpreendentemente, para El Salvador.
Estou em um estado perpétuo de "adiós". O êxodo histórico da Venezuela que está sacudindo a região é desanimador para nós, que ficamos para trás. É de se esperar uma redução do círculo social ao permanecer muito tempo em um estado falido, mas eu não estava preparado para isso.
O colapso econômico que fechou indústrias inteiras e deixou as prateleiras das lojas dolorosamente sem nada, ultimamente vem esvaziando o país de venezuelanos em um ritmo que eu nunca tinha visto. Amigos de bar, bartenders, colegas, vizinhos -- estão fazendo as malas e indo embora. A cidade está minguando; lojas e restaurantes estão fechando as portas. Quando olho em volta e vejo as janelas escuras dos apartamentos à noite, fico imaginando quantas pessoas estarão dispostas a ficar.
A maré da emigração estava começando a subir antes de eu chegar, em 2012, quando as despedidas regadas a bebida eram mais comuns do que as festas de aniversário. As pessoas fugiam quase que exclusivamente de avião e tiravam uma última selfie no aeroporto de azulejos da capital antes de embarcar para Madri, Miami ou Toronto.
Hoje em dia, para a maioria, sair do país envolve uma viagem de vários dias, de ônibus, em direção à Colômbia ou ao Brasil; os desesperados vão andando ou pegam carona. Os controles fronteiriços foram reforçados, mas mesmo assim a evacuação continua. Raramente há festas de despedida, apenas abraços ou apertos de mão sombrios. Percebi que, ultimamente, muita gente vai embora sem nem dizer adeus.
Nancy, que limpou meu apartamento durante anos, disse-me na semana passada que, depois de mais de duas décadas, ela vai voltar para a Colômbia. Ela tem perdido clientes. Ela está tendo dificuldade para comprar comida e remédios. E ela se sente sozinha; boa parte de sua família fugiu, a filha dela se mudou para o Chile. Por isso, ela e o filho de oito anos estão fazendo as malas. O marido, que sabe fazer de tudo, provavelmente a seguirá em breve.
"Andy, estamos todos sozinhos aqui", disse ela. "É uma pena, mas realmente agora é melhor ir embora."
Nancy, eu entendo você. Boa sorte, minha amiga.