Jack Warner: ele chegou a usar dinheiro do Fundo de Desenvolvimento para o Futebol para comprar uma mansão em Miami (REUTERS/Andrea De Silva)
Da Redação
Publicado em 6 de dezembro de 2015 às 11h01.
Zurique -- Malas repletas com dinheiro, emissão de notas frias, contratos fictícios, chantagens, obras de arte, terrenos, contas em paraísos fiscais, empresas de fachada, mansões, jatos privados e até dinheiro camuflado na construção de piscinas. Sete meses depois de fazer eclodir o pior escândalo de corrupção do futebol mundial, o FBI revela as "estratégias sofisticadas" usadas pelos cartolas internacionais para esconder mais de US$ 200 milhões. Houve até quem não hesitasse mentir sobre seu estado mental, dizendo às autoridades que sofriam de "demência".
No meio da semana, a Justiça norte-americana lançou a segunda etapa na operação contra a corrupção no futebol. Um total de 24 dirigentes e empresários já foram indiciados e os norte-americanos alertam que pelo menos mais 27 estarão na lista até 2016. O impacto na América Latina tem sido profundo com a prisão, afastamento e até fuga de presidentes de confederações e associações nacionais. Brasil, Chile, Bolívia, Costa Rica, Honduras, Guatemala, Venezuela e Colômbia foram sacudidos pela crise.
Os norte-americanos já confiscaram US$ 100 milhões dos envolvidos e as multas chegaram a US$ 190 milhões. A regra era simples: para que uma rede de televisão ou uma empresa quisesse ter os direitos sobre um evento ou uma seleção, teria de pagar um pedágio, por vezes anual, ao dirigente no comando. O resultado é que ganhava o contrato quem pagava a propina e não quem tinha a melhor oferta.
"Em 25 anos, a corrupção floresceu e se transformou em endêmica", disse o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Segundo a investigação, "fortunas significativas" foram feitas e dezenas de entidades esportivas foram fraudadas, entre elas a CBF por seus últimos três presidentes.
De acordo com os norte-americanos, não é apenas a extensão geográfica que chama a atenção, mas também a maneira como o dinheiro foi "contrabandeado" por fronteiras. Jack Warner, ex-vice-presidente da Fifa, por exemplo, chegou a usar dinheiro do Fundo de Desenvolvimento para o Futebol para comprar uma mansão em Miami em 2005. Ele também mandou seu filho Daryan em um avião até Paris para receber uma mala de dinheiro da campanha da África do Sul para sediar a Copa do Mundo de 2010.
Daryan nem dormiu em Paris. "Horas depois de chegar à França, Daryan Warner embarcou em um voo de retorno e levando a mala para Trinidad e Tobago", disse o indiciamento.
Em um outro pagamento de US$ 10 milhões entre os sul-africanos e Warner, a investigação revela como os envolvidos não conseguiram criar um mecanismo para transferir o dinheiro. A solução foi estabelecer um fundo na Fifa e pedir que a direção da entidade fizesse os pagamentos. Entre janeiro e março de 2008, US$ 10 milhões chegaram às contas da Concacaf no Republic Bank de Trinidad and Tobago. Mas poucos dias depois, Warner transferiria o dinheiro para uma conta sua.
Já as descobertas sobre o empresário José Hawilla, dono da Traffic, apontam para um "modelo sofisticado" para pagar propinas ao ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e aos dirigentes sul-americanos Nicolás Leoz e Julio Grondona.
Empresas de fachada foram criadas, em nome do brasileiro José Margulies (conhecido como José Lázaro), e que serviam para receber e pagar as propinas. Ele ainda usava o serviço de doleiros, "destruía com regularidades provas de suas atividades e orientava dirigentes a não usar contas em seus nomes para não chamar a atenção da Justiça".
Na Conmebol, as investigações também apontavam profundos desvios de verbas. Em diversos casos, dinheiro era retirado das contas da entidade e transferidos diretamente para a conta de Nicolás Leoz. Para fechar um contrato de patrocínio com o Santander de US$ 40 milhões para bancar a Copa Libertadores, o secretário-geral da entidade, Eduardo Deluca, recebeu por ano US$ 400 mil entre 2008 e 2012.
O volume de propinas e o fato de ser generalizada chegou a obrigar as empresas a criar tabelas de subornos, baseados na importância de cada federação nacional dentro da Conmebol. Se inicialmente apenas Argentina, Brasil e Uruguai levavam dinheiro para permitir que contratos fossem assinados, o cenário mudou depois que seis federações menores do continente se rebelaram em 2009. O motivo: também queriam sua parte na propina.
Assim, quando a empresa Datisa foi criada em 2013 para obter o contrato para a Copa América até 2023, pagava por edição US$ 3 milhões para os "grandes" e US$ 1 milhão para as federações menores. Não faltaram nem mesmo tentativas de enganar as autoridades norte-americanas com justificativas absurdas. O uruguaio Eugenio Figueredo alegou "demência" para não responder a perguntas do fisco norte-americano. Hoje está preso em Zurique.