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Farinha ao invés de sapatos: as novas estratégias do comércio na Venezuela

País proibiu por dois meses a abertura dos comércios, com exceção dos dedicados à venda de alimentos e medicamentos

Venezuela: covid-19 infectou cerca de 12.000 pessoas no país (AFP/AFP)

Venezuela: covid-19 infectou cerca de 12.000 pessoas no país (AFP/AFP)

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AFP

Publicado em 22 de julho de 2020 às 17h50.

Última atualização em 22 de julho de 2020 às 18h43.

Francis teve de fechar sua loja de sapatos quando a pandemia de covid-19 chegou à Venezuela em meados de março, forçada pelas restrições de uma longa quarentena em vigor desde então. Quando suas economias "começaram a desaparecer", teve uma ideia: trocar calçados por comida.

Em meio a uma situação limite, "vimos que tínhamos a opção de vender comida", contou à AFP Francis Moreno, de 38 anos, na entrada de seus negócios em Sabana Grande, avenida central de intensa atividade comercial de Caracas.

A Venezuela proibiu por dois meses e meio a abertura dos comércios, com exceção dos dedicados à venda de alimentos, medicamentos e outros produtos considerados essenciais.

Alterna, desde junho, períodos de relaxamento com períodos de rigoroso confinamento, nos quais as empresas devem permanecer fechadas.

Por esse motivo, Francis não foi a única em Sabana Grande a migrar para alimentação, saúde ou higiene pessoal.

Ela conta que decidiu ir a um mercado popular para comprar alimentos embalados, como macarrão, açúcar, sal, manteiga, óleo ou farinha de milho (a base das arepas tradicionais, a base da dieta venezuelana), com a ideia de revendê-los.

Agora são esses produtos que ocupam as prateleiras. As vitrines com calçados esportivos, outrora o centro das atenções, estão cobertas com toalhas coloridas.

"O que tínhamos economizado estava começando a acabar", disse Francis, enfatizando que, de qualquer forma, "devemos sobreviver."

A covid-19, que segundo dados oficiais infectou cerca de 12.000 pessoas nesse país de 30 milhões de habitantes, forçou o fechamento de 90% dos negócios, segundo o Conselho Nacional de Comércio e Serviços (Consecomercio).

Melhor verduras do que fotos

A situação se repete em várias áreas de Caracas. Sentindo-se "à deriva", Oriana "reinventou" o negócio de fotografia de sua família, aberto há 60 anos em Chacao, transformando-o em sacolão. 

"O que as pessoas compram agora? Comida", comentou Oriana Chavarro, de 23 anos, à AFP.

Juntamente com sua mãe, desmontou a sala para fazer retratos, um espaço agora ocupado por caixas com cebola, batata, pepino, tomate e outros vegetais.

Eventos sociais como casamentos e aniversários, outrora "o forte" do negócio, já estavam em declínio com a crise econômica e acabaram desaparecendo com o confinamento.

O novo coronavírus agravou uma crise que, segundo o Consecomercio, já havia causado uma queda de 40% no setor comercial no ano passado.

Entre paredes ainda cobertas de fotografias de atores americanos, Oriana passa seus dias tentando esticar o dinheiro de suas poucas vendas para "cobrir as despesas".

O dia de trabalho em Caracas termina ao meio-dia, mesmo para os comércios que se infiltraram nos setores "essenciais". Após esse horário, os militares e a polícia começam a solicitar o fechamento.

"Eles vêm para te fechar, sem explicações", reclama Oriana.

A imprensa local relatou extorsões de comerciantes por agentes, implantados em postos de controle.

De qualquer forma, vender alimentos não é garantia de sucesso na Venezuela, onde quatro em cada cinco pessoas não conseguem pagar a cesta básica em meio a uma crescente pobreza, segundo a Pesquisa sobre Condições de Vida (Encovi), um estudo realizado pelas principais universidades do país.

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