Faixa de Gaza: o que antes eram bairros com ruas cheias de gente e engarrafamentos, agora são pilhas de ruínas (Ibraheem Abu Mustafa/Reuters)
Agência de notícias
Publicado em 12 de janeiro de 2024 às 12h44.
Última atualização em 12 de janeiro de 2024 às 13h58.
Necrotérios com famílias aos prantos, uma população civil exausta e aterrorizada, bairros reduzidos a escombros e um sistema de saúde sobrecarregado: depois de 100 dias, a Faixa de Gaza foi devastada pela guerra entre Israel e o Hamas.
"São apenas 100 dias, mas temos a impressão de que se passaram 100 anos", confidencia Abdul Aziz Saadat, que como a grande maioria dos habitantes de Gaza teve de fugir da sua casa e vive em um acampamento de refugiados em Rafah, no sul da Faixa.
Este enclave costeiro superlotado mudou muito nos últimos meses. O que antes eram bairros com ruas cheias de gente e engarrafamentos, agora são pilhas de ruínas.
"Alguns se abrigam em escolas, outros nas ruas, no chão ou em bancos. A guerra afetou a todos", descreve Saadat. Cerca de 1,9 milhão de pessoas, ou seja, 80% da população da Faixa, tiveram que deixar suas casas, segundo a ONU.
A Faixa de Gaza tornou-se "inabitável" e "um lugar de morte e desespero", como resumiu o coordenador humanitário da ONU, Martin Griffiths.
Os 2,4 milhões de habitantes de Gaza sobrevivem como podem, e são muito poucos, apenas algumas centenas, os que conseguiram abandonar o território, que está sob um cerco feroz desde pouco depois do início dos bombardeios israelenses.
Estes começaram em 7 de outubro, como uma resposta imediata aos ataques surpresa lançados nesse mesmo dia, um feriado religioso judaico, pelo movimento islamista palestino Hamas.
Os milicianos, que invadiram casas e atacaram principalmente civis, mas também policiais e militares em diversas partes do sul de Israel, deixaram cerca de 1.140 mortos, segundo uma contagem da AFP baseada em fontes israelenses.
Após uma campanha de bombardeios implacável, as tropas israelenses lançaram uma invasão terrestre em 27 de outubro para "aniquilar" o Hamas e libertar os reféns capturados.
Mais de 23 mil pessoas, a maioria civis, morreram na Faixa e quase 60 mil ficaram feridas, segundo o Hamas, que governa o território.
Os acampamentos de refugiados, as estradas e as passagens de fronteira estão repletas de crateras. Escolas, universidades e locais de culto também não escaparam aos ataques.
Israel acusa o Hamas de usar a população civil como escudo humano e de realizar as suas operações a partir de mesquitas, escolas e até hospitais. Essas acusações são rejeitadas pelo Hamas, movimento classificado como terrorista por Israel, União Europeia e Estados Unidos.
Com base em imagens de satélite, dois professores americanos, Jamon Van Den Hoek e Corey Scher, estimaram que até 5 de janeiro, entre 45% e 56% dos edifícios do enclave haviam sido destruídos ou danificados.
A destruição foi "muito extensa e muito rápida", segundo Van Den Hoek. A extensão dos danos "é comparável às áreas mais afetadas na Ucrânia", acrescenta Corey Scher.
O fim dos combates não significará, portanto, que os habitantes de Gaza poderão voltar às suas casas. A reconstrução é anunciada como titânica e a memória dos falecidos estará por toda parte.
Devido à falta de espaço nos cemitérios, foram cavadas valas comuns em pomares, pátios de hospitais e até em um campo de futebol, observaram jornalistas da AFP.
A cena se repete todos os dias: homens e mulheres, chorando, precisam identificar os corpos envoltos em mortalhas brancas. Os nomes foram registrados com caneta.
No caso dos feridos, aqueles que conseguem chegar a um hospital ainda em funcionamento (cerca de 15 de um total de 36) deparam-se com outro "campo de batalha", como afirma Rik Peeperkorn, representante da Organização Mundial de Saúde (OMS), nos Territórios Palestinos.
Nos hospitais que visitou, afirma ter visto situações de "caos" e "sangue no chão" e ouvido os gritos dos feridos que por vezes esperam vários dias antes de serem atendidos. Algumas salas cirúrgicas são mal iluminadas por lanternas de celulares, devido à falta de energia elétrica, e às vezes funcionam até mesmo sem anestesia.
"Há escassez de quase todos os suprimentos médicos", afirma este representante da OMS, que afirma nunca ter visto "tantas amputações" em toda a sua vida.
"Perdemos a esperança", diz Ibrahim Saadat, deslocado em Rafah. "Como não há água, tomamos banho uma vez por mês, sofremos psicologicamente e as doenças se espalham por toda parte".
Segundo a Unicef, os casos de diarreia entre crianças passaram de 48 mil para 71 mil em uma semana no mês passado. Antes da guerra, havia 2.000 casos por mês.
"Em 30 anos não vi um déficit alimentar tão grande", observa Corinne Fleischer, diretora regional do Programa Mundial de Alimentos (PMA).
"A produção de alimentos está completamente paralisada e as pessoas não podem ir para os seus acampamentos ou pescar no mar", disse à AFP.
O porto de Gaza, onde os pescadores chegavam com as suas capturas, também foi bombardeado. As terras agrícolas, conhecidas pelos seus morangos de inverno, são inacessíveis.
Muitas padarias foram atingidas nos ataques ou tiveram que fechar por falta de combustível. "As lojas estão vazias, não há nada para comprar para comer" e "as pessoas estão morrendo de fome", lamenta Fleischer.
Além do perigo, do sofrimento, do terror e das paisagens de destruição, Hadeel Shehata, de 23 anos, resume a desesperança da juventude de Gaza, onde metade da população é menor de idade.
"Algumas crianças iam para a escola, outras para a creche... nada disso adiantou, tudo se perdeu", lamenta. "Perdemos os nossos sonhos".