O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro: acordo de livre comércio entre os países poderia alavancar o comércio exterior do Brasil com o mundo, revelou Ipea (Pavel Golovkin/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 4 de dezembro de 2019 às 09h49.
São Paulo – Um acordo de livre comércio entre o Brasil e a China traria efeitos positivos para a economia brasileira. E isso não apenas na relação comercial entre os dois países, mas na relação do Brasil com o mundo. É o que revelou um estudo recente produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que será revelado nesta quarta-feira (04) pela entidade, antecipado a EXAME.
Segundo a análise, se reduzidas as tarifas de forma gradual e em um período de dez anos, as exportações do Brasil para o resto do mundo aumentariam 8,2% e as importações, 7,73%. Quando se olha para as exportações e importações para a China, os números são ainda mais expressivos: 15% e 75%, respectivamente.
Vale notar que o estudo trata de um cenário de redução das tarifas, sem considerar barreiras não tarifárias, por exemplo, e tem como objetivo avaliar os limites do impacto que um acordo como esse traria.
“A abertura do Brasil para a China seria um potencializador para o comércio exterior e crescimento econômico do país”, disse a EXAME Ivan Machado Oliveira, diretor de estudos em relações econômicas e políticas internacionais do Ipea, “e nosso estudo mostra um claro impacto positivo advindo de um acordo como esse”, continuou. No PIB, notou-se um ganho acumulado de 0,39%.
Ainda de acordo com Oliveira, o estudo revelou algumas surpresas quando se olha para os benefícios que um acordo de livre comércio entre o Brasil e a China traria para diferentes setores da economia. Ao todo, foram analisados 22 setores e todos, com exceção do petróleo, registraram ganhos expressivos em exportações para outros países.
Setores produtores de commodities, que em 2018 responderam por 31% do total exportado pelo país, mostraram bons números, como era de se esperar. No entanto, os melhores desempenhos nas projeções de exportações do Ipea foram dos setores de vestuários e acessórios, com alta de 44,9%, calçados e couro, 29,7%, e têxteis, 28,2%. Quando se olha para as importações, esses registraram aumento de 109,3%, 86,5% e 39,2%, respectivamente.
Há, no entanto, pontos de sensibilidade, especialmente nos setores que teriam suas exportações e importações impulsionadas pelo acordo. Quando se olha para o nível de atividade, o estudo mostrou perdas expressivas nesses setores industriais intensivos. Têxteis observaria perdas de produção de 15,85%, calçados e couro, 13,19%, e vestuário, 8,47%. Os níveis de emprego cairiam 16,1%, 13,3% e 8,5% em cada um desses setores.
Para Oliveira, a discrepância entre os bons resultados em exportações e importações e os números ruins em nível de atividade e emprego é outra surpresa trazida à tona pelo estudo do Ipea. “Nossa leitura é a de que esses setores se tornariam mais produtivos, apesar dessas perdas. As partes que sobrevivem ao choque de abertura seriam mais competitivas internacionalmente”, continuou o economista, que supervisionou a pesquisa.
A ideia de um acordo de livre comércio entre Brasil e China não é uma novidade. Segundo o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), a parceria estratégica entre os países começou em 1993. Em 2009, o país asiático se tornou o maior parceiro comercial brasileiro, mas a agenda exportadora brasileira é pequena e apenas três itens respondem por 80% do total do que é exportado para a China: soja, minério de ferro e petróleo.
Em 2018, durante a campanha presidencial, a retórica do então candidato, Jair Bolsonaro, sobre a relação comercial com o Brasil era áspera e crítica, levantando o temor de que um eventual governo seu traria poderia prejudicar o comércio entre os países. A postura, no entanto, mudou, e Bolsonaro, agora presidente, passou a olhar com mais atenção para os chineses, fazendo com que a ideia de um acordo de livre comércio voltasse a ganhar força.
“Nunca houve um momento tão apropriado para um acordo de livre comércio entre Brasil e China como agora”, avalia José Pio Borges, presidente do CEBRI e ex-presidente do BNDES, “a economia brasileira se tornou mais competitiva e as indústrias que ainda não estão lá, precisam ser reestruturadas”, notou.
Para que a relação comercial Brasil-China alcance esse novo patamar, no entanto, é necessário que a negociação aconteça no âmbito do Mercosul, nesse sentido, há dúvidas sobre o próximo governo da Argentina, que terá Alberto Fernández na presidência, e a sua posição ante uma negociação deste escalão com os chineses.
“No governo Macri, o país estava alinhado com as expectativas do Brasil de se abrir para o mundo. Espero que Fernández não altere o alinhamento nesse aspecto”, avaliou Borges, “Brasil e Argentina não podem ficar de fora desse bonde. Precisam se alinhar ao crescimento da Ásia”.