MATTEO SALVINI: ele é contra o livre comércio e os imigrantes (Tony Gentile/Reuters)
Da Redação
Publicado em 9 de março de 2018 às 17h59.
Última atualização em 9 de março de 2018 às 17h59.
Roma — Ainda é cedo para dizer quem será o próximo primeiro-ministro italiano. Nenhum partido ou aliança obteve maioria absoluta nas eleições do domingo, 4. O presidente Sergio Mattarella vai esperar para ver quem consegue reunir mais apoios no Parlamento. Mas o primeiro da fila é Matteo Salvini, o dirigente da Liga.
O Movimento 5 Estrelas (M5S) foi o partido que recebeu mais votos individualmente: 10,7 milhões, ou 33%. Mas a aliança de centro-direita, em conjunto, superou o M5S, com 12,1 milhões — 37%. É isso que conta. No interior da aliança, o partido mais votado foi o de Salvini: 5,7 milhões, ou 17%.
O Força Itália, do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, obteve 4,6 milhões (14%); o ultra-nacionalista Irmãos da Itália, 1,4 milhão (4%); e o Nós com a Itália, conservador cristão, 428 mil (1%).
Por um acordo entre os quatro partidos da aliança, o mais votado indicaria o primeiro-ministro. A vitória da Liga representa uma virada de mesa no interior da aliança. Ela sempre foi o partido júnior na parceria com o Força Itália, do imortal Silvio Berlusconi, que foi primeiro-ministro quatro vezes e domina a paisagem política italiana há mais de duas décadas. Então chamada de Liga do Norte, limitava-se a fornecer ministros para os gabinetes dele.
A ascensão da Liga ao topo da cadeia alimentar começou em dezembro (isso mesmo, há três meses), quando o partido sofreu uma metamorfose. Abandonou o complemento “do Norte”, para se converter num partido nacional. Falando assim, parece fácil.
Mas a Liga Norte para a Independência da Padania, seu nome completo, nasceu em 1989, da aglutinação de uma frente de movimentos separatistas das regiões setentrionais italianas, sob a liderança do lombardo Umberto Bossi. Padania foi um nome inventado, que equivalia a uma utópica república do Norte.
Seu discurso era pouco lisonjeiro para os italianos do Sul, vistos como um bando de morenos preguiçosos que o Norte rico e industrializado carregava nas costas. Roma era tida como epicentro dessa exploração. Bossi ocupou o cargo de ministro do Federalismo de Berlusconi, exatamente para aumentar a autonomia das regiões, como prelúdio de uma eventual separação.
Salvini trocou o separatismo pelo nacionalismo. Em vez de um partido dos italianos do Norte contra os do Sul, a Liga passou a ser de todos os italianos contra os imigrantes, os muçulmanos, a União Europeia, o livre comércio, a globalização, enfim, contra tudo o que não parece italiano. A capital do desfalque foi transferida de Roma para Bruxelas.
Muitos italianos gostaram — incluindo os do Sul, aonde aportam os africanos depois da travessia do Mediterrâneo. O porto de Lampedusa, no extremo sul, é o símbolo disso. Nas eleições anteriores, em 2013, a Liga teve 0,15% dos votos para a Câmara e 0% para o Senado em Lampedusa. No dia 4, conquistou 15%.
Há um outro exemplo contundente. No dia 31 de janeiro, Pamela Mastropietro, de 18 anos, foi violentada e esquartejada em um lugarejo chamado Pollenza, perto da cidade de Macerata, na região de Marche, por uma gangue de traficantes nigerianos. A jovem havia fugido de um centro de recuperação para dependentes químicos para ir em busca de drogas.
No dia 3 de fevereiro, Luca Traini, que fora candidato pela Liga Norte nas eleições municipais de 2017 em Corridona, na mesma região, fez cerca de 30 disparos com uma pistola semiautomática em Macerata, e feriu seis africanos. Pouco depois, foi detido no monumento aos soldados mortos da cidade, envolto numa bandeira italiana. Fez a saudação fascista e disse aos carabinieri (policiais militares): “A Itália para os italianos. Fiz o que devia.”
A Liga, que tivera 6.409 votos (0,69%) em Marche em 2013, saltou para 153.742 (17,27%).
Os atentados terroristas na Europa e o irredutível desemprego na Itália, na casa dos 11%, mas que supera os 30% entre os jovens de 15 a 24 anos, serviram de fermento para a Liga crescer, com os seus novos alvos.
A metamorfose da Liga foi conduzida por um homem que é ele mesmo um camaleão. Salvini foi, na adolescência, simpatizante do movimento comunista, que se reunia em Milão na rua Leoncavallo. Em 1990, aos 17 anos, cruzou o espectro ideológico para o outro extremo, e filiou-se à Liga Lombarda, fundada seis anos antes por Bossi. Em 1993, aos 20 anos, elegeu-se o mais jovem vereador de Milão.
Com o tempo, adquiriu fama de ser o “comunista” da Liga. Em 1994, o prefeito Marco Formentini, também da Liga, ordenou a desocupação da sede comunista de Leoncavallo, causando confronto entre os militantes e a polícia. Num debate na Câmara Municipal, Salvini condenou a medida e saiu em defesa dos comunistas. Recebeu aplausos de todas as bancadas da Casa. Três anos mais tarde, quando a Liga realizou eleições para o auto-intitulado Parlamento da Padania, Salvini saiu candidato por uma corrente comunista, na verdade inexistente, mas para dar um toque mais pluralista ao movimento independentista.
Mas Salvini ganhou projeção mesmo no interior da Liga graças a duas coisas: ele controlava a Rádio Padania Livre, que tinha bastante audiência entre os integrantes do movimento, e reuniu ao seu redor um grupo de fiéis escudeiros. Chamados de “Salvini boys”, eles realizam campanhas de porta em porta para seu líder.
De acordo com o livro Matteo Salvini, Il Militante, escrito pelos jornalistas Alessandro Franzi e Alessandro Madron, esses cabos eleitorais foram fundamentais na eleição dele para o Parlamento Europeu.
Salvini foi ganhando projeção também graças a seu atrevimento em fazer declarações politicamente incorretas, que causavam ojeriza nos intelectuais e na esquerda, mas conquistavam adeptos no seu público-alvo: os trabalhadores brancos do Norte.
Na campanha eleitoral pelo Parlamento Europeu em 2009, ele fez a seguinte declaração: “Daqui a dez anos, os milaneses serão minoria e acabaremos reservando assentos para eles no metrô, como se fazia para os mutilados e inválidos de guerra”.
A declaração foi considerada “racista” e “inconstitucional” por integrantes do Partido Democrático, da centro-esquerda. Salvini, no entanto, foi reeleito deputado europeu com 70 mil votos, ficando em segundo lugar na circunscrição noroeste, atrás apenas do líder do partido, Umberto Bossi, que teve 172 mil. A Liga dobrou sua votação, para 10%, e elegeu nove euro-deputados. No Parlamento Europeu, o partido se juntou a euro-céticos de outros países, para impulsionar suas campanhas, em favor, por exemplo, da saída da zona do euro.
Ao longo dos anos, Salvini cresceu à sombra de Bossi, até se tornar forte o suficiente para dar o bote final. Em dezembro de 2013, disputou com o fundador do partido, em eleições internas, o cargo de secretário federal da Liga, e venceu de forma arrasadora, com 82% dos votos. Foi um momento em que a Liga estava se enfraquecendo, perdendo prefeituras. O sangue novo de Salvini pareceu bem-vindo para a maioria dos filiados.
Em março do ano passado, Salvini foi reeleito praticamente com a mesma votação, 83%, quando desafiado por Gianni Fava. Bossi lamentou publicamente a vitória de seu antigo seguidor: “Se agora Salvini levar a Liga para o Sul, o movimento acaba”.
Foi precisamente o que Salvini fez. E talvez o movimento tenha mesmo acabado, tal como Bossi o vê. Mas para se tornar algo muito maior. Os slogans da campanha para as eleições do dia 4 foram “Salvini premiê” e “Primeiro os italianos”— esse último roubado da campanha de Donald Trump, “A América primeiro”.
Para elevar seu perfil, o líder da Liga procurou fazer conexões internacionais. Quando Trump se elegeu presidente, Salvini postou em seu perfil no Facebook uma foto tirada ao lado dele, na Filadélfia, em seu último comício antes das primárias republicanas, em abril de 2016. Perguntaram ao presidente eleito sobre sua relação com o político italiano: “Não o conheço nem o encontrei”, foi a resposta. Ficou claro que Salvini tinha pegado uma fila para fazer a foto, assim como muitos outros anônimos admiradores.
Salvini investiu mais ainda em sua “amizade” com outro herói da direita ultra-nacionalista, assim como da esquerda europeia: o presidente russo, Vladimir Putin. Quando a Rússia anexou a Crimeia, em março de 2014, provocando condenações e sanções da Europa e dos Estados Unidos, Salvini foi uma voz isolada de apoio.
Sua posição lhe garantiu espaço na mídia internacional, sobretudo russa. Em outubro daquele ano, durante a cúpula Ásia-Europa, em Milão, Putin recebeu o político italiano para um chá com biscoitos no hotel onde o presidente russo estava hospedado. A partir daí, Salvini fez várias viagens a Moscou, firmando uma parceria entre a Liga e o Rússia Unida, o partido de Putin.
A aproximação agradou o empresariado italiano, prejudicado pelas sanções da União Europeia contra a Rússia, destino das exportações italianas. Além disso, Salvini argumenta que a Rússia é um “parceiro estratégico” também como grande fornecedor de gás para a Itália.
Dessa forma, surpreendendo com sua ousadia, instinto e oportunismo, Salvini chegou, aos 45 anos (completos nesta sexta-feira, 9), à condição de possível primeiro-ministro italiano. Sua história é a expressão da política contemporânea, chamada de “identitária”, na qual a identificação cultural é mais importante do que os programas e ideologias. E apresentar-se como alguém de fora da política tradicional (mesmo quando se está nela há 25 anos, como no caso de Salvini) é vital para ter sucesso.
Outra grande qualidade dele é a capacidade de se expressar de forma simples e direta. Salvini é um mestre no uso de plataformas como o Facebook, por exemplo, no qual tem mais de 2 milhões de seguidores. “A Itália tem 20% de analfabetos funcionais, que formam sua opinião assistindo a um vídeo e ouvindo mensagens simples”, analisa Stefanio Epifani, pesquisador de redes sociais da Universidade Sapienza de Roma. “São essas as pessoas que Salvini intercepta melhor.”
Uma de suas admiradoras é Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional (FN), partido ultra-nacionalista, que obteve 34% dos votos no segundo turno da eleição presidencial francesa, no ano passado. “Matteo Salvini me leva ao êxtase”, declarou ela ao seu lado, durante o congresso da FN em Lion, em 2014. “É extremamente corajoso e tem uma energia transbordante”.
Talvez seja isso que falte a Le Pen. Salvini pode ser mais próximo dela politicamente. Mas seu ímpeto e senso de oportunidade têm mais a ver com o do seu oponente, o presidente Emmanuel Macron. Não vai demorar para sair uma foto dos dois, lado a lado.