Os presidentes Emmanuel Macron, da França, e Volodymyr Zelensky, da Ucrãnia, durante encontro em Paris (Ludovic Marin/AFP)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 28 de março de 2025 às 06h04.
Caso os Estados Unidos retirassem subitamente suas forças de defesa da Europa, o continente levaria ao menos dez anos para conseguir equiparar o poder militar que os americanos têm hoje no continente. A avaliação é de Salvador Raza, especialista em segurança e defesa militar.
Nas últimas semanas, o governo de Donald Trump tem defendido publicamente que a Europa passe a depender menos dos Estados Unidos em defesa militar, o que deve mudar um arranjo que dura desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Uma das razões disso é econômica: Trump argumenta que os Estados Unidos gastam muito em defesa na Europa e que os europeus deveriam aumentar sua participação.
Após o início da Guerra da Ucrânia, os europeus aumentaram os investimentos na área, mas continuam distantes do volume americano. Os EUA gastam mais em defesa: em 2024, foram US$ 968 bilhões, bem mais do que toda a Europa somada. A Alemanha, país que mais investiu na área, dispendeu US$ 86 bilhões no período, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
Raza explica que uma transição completa, em que os europeus se tornem totalmente independentes dos americanos, demoraria anos, por uma série de razões. "Levaria dez anos. Primeiro, tem os desenvolvimentos tecnológicos. A indústria europeia sempre esteve atrelada ao padrão americano. Você não desenvolve um míssil supersônico em três meses", diz, em conversa com a EXAME.
Como exemplo, ele aponta que a Itália tem uma grande força na indústria de defesa, instalada nos arredores de Milão, que produz componentes para o avião americano F35.
"A França produz o Rafale, que é muito caro e não alcança nunca o topo de desempenho. Os submarinos franceses também são muito caros. As armas nucleares francesas não tem o grau de sofisticação para fazer frente às novas armas, não tanto em potência, mas termos de precisão", diz.
Raza explica que a Europa se organizou, nas últimas décadas, de forma que cada país ficou mais especializado em um tipo de tecnologia. A Finlândia, por exemplo, se especializou em produção de tanques e tem uma das maiores frotas no continente. Países bálticos também tiveram maior foco em tecnologias terrestres. Enquanto isso, a Alemanha e o Reino Unido avançaram mais em defesa antiaérea, por exemplo. Já França e Suécia buscaram criar aeronaves de combate.
Apesar disso, outro desafio europeu é a capacidade de decisão, centralizada na União Europeia. Nas últimas semanas, a Itália, por exemplo, tem buscado barrar avanços de gastos em defesa, por considerar que a imigração irregular seria um risco maior.
Raza avalia que a Europa se prepara para o risco de um conflito com a Rússia após o fim da Guerra da Ucrânia. No entanto, ele avalia que Moscou não tem sinalizado que pretende atacar outros países.
"A Rússia nunca se movimentou na ideia de invadir mais países. Ela sempre reivindicou alguns aspectos da territorialidade que eram estratégicos para ela: o Mar Negro, a Crimeia, e no Mar Báltico, o golfo que dá acesso a São Petersburgo", avalia. "A preocupação da Rússia não era aumentar o território imperial da Imperio Russo, mas sim uma proteção aos seus eixos vulneráveis."
O analista conta ainda que a Ucrânia, quando era parte da União Soviética, era uma grande desenvolvedora de tecnologia militar, como a fabricação de mísseis, navios e aviões de guerra.
"Quando acaba a União Soviética, a Rússia perde não só um território que servia como um buffer, mas uma grande capacidade militar. Então a Rússia faz uma corrida armamentista substitutiva nos anos 2000. Depois que a Ucrânia se torna independente, ela começa a suprir países da Europa e depois faz um corte nos suprimentos para a Rússia", aponta.