Bandeiras de Cuba (E) e Estados Unidos em Havana: países debaterão complexos temas (Enrique De La Osa/Reuters)
Da Redação
Publicado em 20 de janeiro de 2015 às 14h31.
Havana - A primeira reunião de alto nível em décadas entre Estados Unidos e Cuba começará nesta quarta-feira em Havana para preparar o mapa do caminho da normalização dos laços bilaterais e a reabertura das embaixadas, depois de deixar para trás meio século de inimizade.
Cinco semanas depois da histórica reconciliação anunciada pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro, os dois países debaterão complexos temas migratórios e os passos para restabelecer relações diplomáticas, interrompidas em 1961.
O embargo americano sobre a ilha, em vigor desde 1962, será mantido por enquanto, já que só pode ser eliminado pelo Congresso.
"Não vamos com expectativas de fechar todos os temas nestas primeiras negociações", declarou na segunda-feira à imprensa um funcionário de alto escalão do Departamento do Estado em Washington, expressando que "o ritmo (do processo) depende em boa medida do governo cubano".
"O compromisso com os direitos humanos e a democracia será mantido no centro de nossa política", indicou, negando que a normalização seja uma recompensa a Cuba.
A delegação americana será liderada pela subsecretária de Estado para o Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, e sua contraparte será a diretora dos Estados Unidos da Chancelaria cubana, Josefina Vidal.
"Estas negociações não serão mais como antes: quando são estabelecidas relações diplomáticas ninguém impõe mais nada. O embargo a Cuba foi projetado para mudar o regime, mas ao estabelecer relações diplomáticas com um país seu governo é reconhecido", explicou à AFP o analista Peter Schechter, do Latin America Center do Atlantic Council, um centro de estudos americano.
"A negociação deverá se concentrar inicialmente nas questões mais urgentes para restabelecer as relações diplomáticas, para depois avançar a alguns dos temas centrais. Entre eles certamente estará a flexibilização das normas sobre algumas liberdades individuais, a situação da base de Guantánamo e, talvez o mais complicado, o das compensações" pelas propriedades americanas nacionalizadas por Fidel Castro nos anos 1960, acrescentou.
Este encontro de dois dias estava programado há tempos para abordar temas migratórios, mas foi elevado de categoria e sua agenda foi ampliada após a histórica decisão de normalizar as relações bilaterais, anunciada em 17 de dezembro.
O grande ausente nesta aproximação foi Fidel Castro, de 88 anos, que não a comentou publicamente nem acompanhou as boas-vindas dos três agentes libertados por Washington em dezembro, o que alimentou rumores sobre sua saúde.
Lista terrorista
"Acredito que a visita de Roberta Jacobson é, sem dúvida, histórica, e trará mudanças, mas é importante ser conscientes de que não podemos esperar milagres repentinos", declarou Schechter.
"Penso que poderão concretizar avanços no processo para retirar Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo. Isso não é pouca coisa, porque a permanência nesta lista impede o acesso a instituições financeiras" internacionais, acrescentou.
O funcionário do Departamento de Estado disse que a revisão da permanência de Cuba na lista está em processo.
"Espero que tenhamos um resultado antes que possamos avançar na reabertura das embaixadas", mas a revisão é um processo independente, esclareceu.
Washington relaxou na semana passada algumas normas que têm impacto direto nos bolsos de milhares de cubanos: aumentou de 500 a 2.000 dólares por trimestre o dinheiro que os cubano-americanos podem enviar as suas famílias na ilha e flexibilizou as viagens a Cuba.
Segundo o Departamento de Estado, o governo comunista cubano teve "dois tipos de comportamento", e embora tenha libertado 53 presos políticos, também reprimiu uma manifestação convocada por uma artista em Havana no dia 30 de dezembro.
Dissidentes
Jacobson falará com a imprensa na sexta-feira depois de tomar café da manhã com dissidentes, que não esconderam sua insatisfação pela mudança da política de Washington, que por décadas foi seu principal aliado e fonte de financiamento.
Por outro lado, uma delegação de seis legisladores americanos, liderada pelo senador democrata Patrick Leahi, encerrou na segunda-feira uma visita de dois dias a Havana destinada a explorar vias de cooperação, depois de participar de um encontro com quinze dissidentes no domingo.
"Nos reunimos com gente desde a agricultura e tecnologia às artes cubanas, e com o cardeal (Jaime) Ortega, que trabalhou comigo e com outros para facilitar com o Vaticano as negociações com o presidente Obama", declarou Leahy à imprensa, acrescentando que os legisladores também conversaram com o chanceler cubano, Bruno Rodríguez.
As reuniões Cuba-Estados Unidos, as de maior nível em quase quatro décadas, serão realizadas no Palácio de Convenções de Havana, sede das negociações de paz entre o governo da Colômbia e a guerrilha das Farc desde novembro de 2012.