Venezuela: países rejeitaram a decisão do STJ do país, que validou a reeleição de Maduro. (JUAN BARRETO/AFP)
Redação Exame
Publicado em 23 de agosto de 2024 às 14h44.
O governo dos Estados Unidos considerou esta sexta-feira que a ratificação por parte do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela da vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho “não tem credibilidade”.
“Esta resolução carece de qualquer credibilidade, dadas as provas esmagadoras de que González recebeu a maioria dos votos”, afirmou em um comunicado o Departamento de Estado, se referindo ao representante da maior coligação da oposição, Edmundo González Urrutia.
A nota destacou que as atas "disponíveis publicamente e verificadas de forma independente mostram que os eleitores venezuelanos elegeram Edmundo González como seu futuro líder”.
"Deve ser respeitada a vontade do povo venezuelano. Agora é a hora de os partidos venezuelanos começarem a falar sobre uma transição pacífica e respeitosa, de acordo com a lei eleitoral venezuelana e os desejos do povo venezuelano", disse o Departamento de Estado.
O TSJ, controlado por magistrados simpatizantes do chavismo, confirmou ontem que os resultados contestados das eleições de julho deram a vitória a Maduro.A sua decisão, com a qual aquele tribunal conclui de forma “inequívoca e irrestrita” a revisão das eleições, ocorre 22 dias após o próprio Maduro ter solicitado este processo, através de um apelo de proteção que nunca foi conhecido e pelo qual os dez ex-candidatos presidenciais foram convocados ao TSJ.
O governo americano destacou hoje que “as tentativas contínuas de reivindicar fraudulentamente a vitória de Maduro só irão agravar a crise atual”, e apelou também ao presidente venezuelano para “libertar aqueles que foram detidos por exercerem seu direito à liberdade de expressão”.
“Os Estados Unidos e a comunidade internacional continuarão defendendo os eleitores venezuelanos, cuja vontade e direitos têm sido continuamente minados desde 28 de julho. Estamos prontos para apoiar um processo inclusivo liderado pela Venezuela para restaurar as normas democráticas”, concluiu o Departamento de Estado.
Uma declaração assinada por 30 ex-chefes de Estado e governo da Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (Idea) nesta sexta-feira classificou a validação do resultado eleitoral
na Venezuela por parte da Suprema Corte do país como "um típico golpe de Estado contra a soberania popular".
O texto faz um apelo "aos governos democráticos e à comunidade internacional no seu conjunto para que impeçam a consolidação do golpe de Estado em curso na Venezuela", cobrando a adoção de "medidas reais e eficazes contra os responsáveis por este atentado à ordem democrática e pelos crimes contra a humanidade que estão sendo cometidos" no país.
Entre os signatários estão os ex-presidentes Maurício Macri, da Argentina, Iván Duque, da Colômbia, Felipe Calderón, do México, e Guillermo Lasso, do Equador.
A decisão do Supremo venezuelano — emitida a partir de uma perícia técnica a pedido do próprio governo, na qual a oposição se recusou a participar — foi validada sem, no entanto, a apresentação das atas eleitorais, os boletins das urnas que comprovariam a vitória de Maduro por 51%. Até hoje, o CNE não divulgou os documentos, alegando ter sido alvo de um ataque hacker não comprovado, mas que o Ministério Público atribui à oposição.
A oposição, liderada por María Corina Machado, publicou 83% das atas as quais teve acesso, mas cuja veracidade não pôde ser atestada, em um website. Segundo a contagem, o seu candidato, Edmundo González Urrutia, teria vencido Maduro por 67%, com vantagem inclusive em colégios eleitorais considerados bastiões do chavismo.
Na nota desta sexta, os signatários reconhecem a vitória de González Urrutia como uma "clara decisão dos venezuelanos". "Isto é confirmado por relatórios técnicos da ONU, da OEA (Organização do Estados Americanos) e do Carter Center", um dos únicos observadores internacionais autorizados a acompanhar o pleito, continua o texto.
A rejeição dos membros do Idea se soma a de países como os Estados Unidos e Argentina. Em comunicado, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Vedant Patel, disse que a medida do órgão "carece totalmente de credibilidade" e que "a vontade do povo venezuelano deve ser respeitada".
Logo após as eleições, o governo venezuelano rompeu relações diplomáticas com sete país da região que não reconheceram o resultado. Em um comunicado conjunto emitido nesta sexta, Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Peru, que ainda contou com assinatura dos EUA, condenaram a decisão da corte.
O Brasil, que junto com a Colômbia tem atuado como um dos principais mediadores da crise, avalia os próximos passos, incluindo a divulgação de uma nota, após a validação considerada "esperada". Segundo diplomatas ouvidos pelo GLOBO, pelo menos até este momento, não há instrução do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma mudança de estratégia, que até o momento inclui a cobrança das atas e propostas como a realização de um novo pleito ou de um governo de coalizão.
O resultado também sacudiu o país em protestos, que resultaram na detenção de mais de 2,4 mil pessoas, segundo estimativas da ONU, e 27 mortes, segundo o procurador-geral Tarek William Saab, em atualização dos números nesta quinta. Saab afirmou que 70% dessas mortes (17) ocorreram somente no dia 29, um dia depois das eleições. O procurador-geral responsabiliza a oposição pelas mortes.
Saab declarou ainda que o Ministério Público está pronto para “avançar, aprofundar estas investigações” contra María Corina e González Urrutia, apontados como supostos autores de um ataque hacker contra o sistema de transmissão de votos, e que enviará a decisão do TSJ ao órgão para que se junte à investigação criminal contra eles, uma vez que os documentos que a oposição defende como prova da sua vitória podem ser "supostamente falsos ou forjados ".
González Urrutia se manifestou sobre a sentença poucos minutos após seu anúncio, classificando-a como "Nula". A afirmação, feita em uma publicação no X, foi seguida pelo 5º artigo da Constituição venezuelana "A soberania popular reside intransferivelmente no povo". O ex-diplomata foi declarado em desacato no último dia 10 por não comparecer ao tribunal quando solicitado e por não apresentar as provas solicitadas após as eleições presidenciais de 28 de julho. Durante o pronunciamento, a presidente do tribunal voltou a declarar o opositor em desacato, o que "acarreta sanções previstas no ordenamento jurídico vigente".
(Com informações da agência O Globo e EFE).