Civis em Mosul: relatório revela que milícias e tropas do governo teriam cometido abusos contra aqueles que conseguiram fugir do EI
Gabriela Ruic
Publicado em 18 de outubro de 2016 às 11h48.
São Paulo – Encurralados na mira atenta dos extremistas do Estado Islâmico (EI) nas áreas controladas pelo grupo no Iraque, os civis que finalmente conseguem escapar desse cenário de horror estão sendo violentamente retaliados por milícias e tropas do governo do Iraque.
Essa informação foi revelada nesta manhã pela organização não governamental Anistia Internacional em um relatório sobre as possíveis violações e crimes de guerra cometidos pelos militares na tomada por Mosul. A segunda maior cidade do Iraque e controlada pelo EI desde 2014 é palco da maior ofensiva militar já conduzida pelo país contra os extremistas.
A fase decisiva dessa operação começou ontem, mas tentativas de recuperar o seu controle vem acontecendo há meses. Buscando se salvar desse fogo cruzado, milhares de civis deixaram a cidade. Esse pesadelo, no entanto, estaria longe do fim para muitos deles.
“Depois de escapar dos horrores da guerra e da tirania do EI, os árabes sunitas do Iraque estão enfrentando ataques brutais e vingativos nas mãos de milícias e forças do governo, sendo punidos pelos crimes cometidos pelo grupo”, pontuou Philip Luther, pesquisador da entidade especializado em Oriente Médio e Norte da África.
Com a intensificação da batalha pela cidade que é um reduto sunita, surge o temor pelo futuro do Iraque, especialmente por conta das tensões sectárias que podem surgir no pós-guerra entre os sunitas, os xiitas e os curdos. Os dois últimos grupos são parte essencial da luta contra o EI e tem o apoio logístico e financeiro do exército do Iraque e da coalizão liderada pelos EUA.
“O temor é que o Iraque possa se separar caso essa luta não seja conduzida de forma sábia”, disse à Reuters o político sunita Atheel al-Nujaifi, governador de Mosul na época em que o EI assumiu o controle. Na ocasião, soldados iraquianos deixaram os seus postos, entregando a cidade aos extremistas em uma ação surpreendente. Al-Nujaifi e outros líderes globais foram então considerados culpados pela perda de Mosul em um comitê do parlamento iraquiano.
O relatório foi produzido com base em entrevistas com 470 pessoas, entre ex-prisioneiros, testemunhas e familiares das vítimas. Em comum, as histórias trazem as suspeitas por parte das milícias xiitas e tropas do governo de que esses civis seriam apoiadores das atividades do EI no Iraque. Há relatos de tortura, detenções ilegais e assassinatos em massa em diferentes regiões do país.
Ninawa, província cuja capital é Mosul, é uma das regiões que está majoritariamente sob o controle do exército do Iraque e nas quais a entidade registrou denúncias de abusos. De acordo com o relatório, há cerca de 100 mil pessoas presas em zonas de trânsito. Nestes locais, é necessária a obtenção de uma espécie de autorização para se locomover.
Essa autorização, no entanto, depende de órgãos de segurança e da inteligência. Depende, também, de a pessoa ter um patrocinador, isto é, conhecer alguém que possa recomendá-la. A entidade encontrou dezenas de homens que foram liberados das inspeções de segurança, mas que continuam impedidos de se locomover por não terem encontrado esse patrocinador. Quem tem condições, pode pagar por uma declaração. Quem não tem, permanece detido.
Em diferentes partes do Iraque, a entidade encontrou relatos de civis sunitas que disseram ter sido expulsos de suas casas por milícias xiitas mesmo após a derrota do EI em suas cidades e vilas. Ainda assim, até hoje não conseguiram retornar e muitos temem que jamais voltarão.
Denúncias de violência também apareceram com frequência no relatório. Em um dos incidentes 12 homens e 4 meninos foram executados depois de terem se entregado a homens que usavam uniformes militares e policiais. Essas pessoas eram de uma tribo localizada ao norte de Fallujah (70 quilômetros de Bagdá) e fugiam tanto do EI quanto do fogo cruzado com o exército do Iraque. Outros 73 homens e meninos dessa mesma tribo desapareceram.
“Havia sangue nas paredes”, contou à Anistia um sobrevivente dos abusos que listou 17 pessoas desaparecidas em sua família, “eles bateram em mim e outras pessoas com tudo o que conseguiram colocar nas mãos, pedaços de metal, pás, canos, cabos”, continuou.
Ainda segundo seu relato, os combatentes das milícias que atuavam nessa região teriam dito que a violência que estavam sofrendo era por vingança pelo massacre no campo Speicher, em Tikrit, quando 1.700 soldados xiitas foram brutalmente executados pelo Estado Islâmico.
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