Navio russo na Crimeia: Ben Barry destacou que "a ocupação da Crimeia é uma poderosa carta na manga nas negociações com a Ucrânia". (Baz Ratner/Reuters)
Da Redação
Publicado em 5 de março de 2014 às 16h11.
Sem desprezar a gravidade da crise na Ucrânia, os especialistas militares relativizam a ameaça de uma invasão russa pela importância do exército ucraniano e porque Moscou talvez tenha conseguido seu objetivo principal ocupando a Crimeia.
"O Kremlin não irá se aventurar em uma guerra de grande magnitude com a Ucrânia. Se a Rússia decidisse passar ao ataque, seria um desastre. Não querem fazer isso e não têm necessidade de fazer", declarou à AFP Igor Sutyagin, especialista do Instituto de análises londrino Royal United Services (RUSI).
"A Ucrânia não pode se comparar à Geórgia", onde as forças russas venceram uma guerra-relâmpago em 2008, afirmou Matthew Clements, da organização de análises militares Jane's intelligente Review.
No entanto, "seu exército constituiria um verdadeiro desafio militar para a Rússia", sobretudo porque "uma ofensiva geral poder trazer à tona a debilidade (do exército russo) na capacidade de organizar operações combinadas" terra-mar-ar, observou.
Ben Barry, general britânico da reserva e agora colaborador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), também duvida das intenções russas, embora na teoria "disponha de uma superioridade considerável".
Um exército pós-soviético
A Rússia tem seis vezes mais soldados que a Ucrânia, o dobro de reservistas e de tanques, seis vezes mais aviões de combate e dezenove vezes mais barcos de guerra, segundo o IISS.
Pela frente, teria um exército ucraniano integrado por 130.000 homens.
"É um exército obsoleto dotado de um equipamento da era soviética", declarou Igor Sutyaginv.
Tem um grande número de recrutas, devido aos atrasos nos projetos de profissionalização. Possui apenas defesas antiaéreas, com exceção de 36 baterias obsoletas.
O IISS também destaca a falta de peças de reposição que mantém em terra muitos aviões e impossibilita a saída ao mar de vários navios, começando por seu único submarino.
Por sua vez, não existem dúvidas sobre a obediência das tropas russas, mas não se pode dizer o mesmo das ucranianas, onde podem ser esperadas deserções, considerou Ben Barry.
"Mas se os ucranianos tiverem a impressão de ser vítimas de uma agressão russa, o ânimo das tropas e o apoio do povo serão fortalecidos", declarou o general britânico.
As forças regulares podem contar com o apoio de paramilitares, confirmou Igor Sutyagin.
Missão cumprida na Crimeia
Ao ser perguntado sobre os cenários possíveis, não descarta que Moscou "alimente uma certa instabilidade" no leste da Ucrânia, onde há uma grande população de origem russa.
"Em termos puramente militares, a invasão é possível, mas é preciso se perguntar se o Kremlin já não alcançou seus objetivos", declarou Ben Barry.
O presidente Vladimir Putin declarou na terça-feira que no momento não é necessário enviar tropas à Ucrânia. De fato, o exército russo já está na Crimeia, provavelmente com o apoio dos temidos Spetsnaz, as forças de elite, explicou Barry, destacando que "a ocupação da Crimeia é uma poderosa carta na manga nas negociações com a Ucrânia".
"Se a Crimeia quisesse verdadeiramente se converter em um protetorado russo, declarar sua autonomia e se separar de Moscou, está em uma ótima posição para alcançar seus objetivos", afirmou, acrescentando que "é possível que a Rússia se contente assim, e que sua estratégia seja evitar o conflito armado".
Igor Sutyagin é mais radical em sua análise. Os russos "se dedicarão a manter a situação sob controle na Crimeia, até a realização do referendo. Querem estabelecer um país semi-independente que seja um fantoche de Moscou, com o objetivo de influenciar na política de Kiev. Nada mais e nada menos, não combaterão".
À margem destas considerações, a lição da crise é inquietante, porque significa que "depois de passar anos dizendo que 'vem o lobo' ao falar das aspirações expansionistas da Rússia, o lobo acabou saindo da floresta", escreveram em uma análise do IISS os pesquisadores Samuel Charap e Keith Darden.