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Mariana Martucci
Publicado em 18 de março de 2021 às 15h08.
Última atualização em 18 de março de 2021 às 16h45.
O Parlamento espanhol aprovou em definitivo, nesta quinta-feira, 18, uma lei para regularizar a eutanásia e o suicídio assistido, unindo-se à reduzida lista de países que permitirão a um paciente incurável receber ajuda para morrer e evitar seu sofrimento.
Proposta pelo governo do socialista Pedro Sánchez, a lei entrará em vigor em três meses. O texto foi validado no Congresso dos Deputados com 202 votos a favor dos partidos de esquerda, de centro e regionalistas, duas abstenções e 141 votos contra, principalmente da direita e da extrema direita.
Imediatamente depois, os aplausos ressoaram na Câmara Baixa por vários minutos.
"Hoje somos um país mais humano, mais justo e mais livre (...). Obrigado a todas as pessoas que lutaram incansavelmente para que o direito de morrer dignamente fosse reconhecido na Espanha", tuitou o presidente do governo, o socialista Pedro Sánchez.
"Hoje é um dia importante para aquelas pessoas que estão em uma situação de doença grave e também é para suas famílias', disse momentos antes a ministra da Saúde, a socialista Carolina Darias.
"Forçar a eutanásia nas pessoas mais vulneráveis (...) é um vergonhoso ato de abandono social que esconde a negação para uma melhor assistência social e sanitária", reagiou José Ignacio Echániz, deputado do Partido Popular (PP, direita).
A extrema direita do Vox anunciou que vai recorrer da lei no Tribunal Constitucional.
Quando a lei entrar em vigor, após a moratória de três meses, a Espanha será o quarto país europeu a permitir a morte assistida, após Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
A lei espanhola autoriza a eutanásia (profissionais da saúde administram a substância letal) e o suicídio assistido (a pessoa se encarrega de tomar a dose prescrita).
A norma prevê que qualquer pessoa com "doença grave e incurável", ou "crônica e incapacitante", solicite ajuda para morrer, evitando assim "sofrimentos intoleráveis".
Mas são impostas condições estritas, tais como que a pessoa, de nacionalidade espanhola, ou residente legal, seja "capaz e esteja consciente" ao fazer o pedido. A solicitação deve ser formulada por escrito "sem pressão externa" e repetida 15 dias depois.
O médico poderá rejeitar o pedido, se considerar que os requisitos não são cumpridos. Além disso, a demanda deverá ser aprovada por outro médico e receber sinal verde de uma Comissão de Avaliação.
Qualquer profissional da saúde poderá alegar "objeção de consciência" para se recusar a participar do procedimento, pago pela rede pública de saúde.
Esta regulamentação foi recebida com alegria por organizações que defendem o direito de morrer com dignidade e que travam um combate de décadas.
O caso mais emblemático foi o de Ramón Sampedro, um galego tetraplégico que passou 29 anos reivindicando o direito ao suicídio assistido.
O filme sobre sua história, Mar adentro, dirigido por Alejandro Amenábar e estrelado por Javier Bardem, ganhou um Oscar em 2005.
A lei é uma "vitória para pessoas que podem se beneficiar e também para Ramón", afirmou à AFP Ramona Maneiro, a amiga que ajudou na morte de Sampedro. Ela foi detida, mas não foi levada a julgamento por falta de provas.
Hoje "é um dia muito feliz", aplaudiu Asun Gómez, uma jornalista de 54 anos durante uma manifestação em Madri a favor da lei. Ela lembrou de foi chamada de "assassina" por querer ajudar seu marido a morrer, que acabou falecendo em 2017 por esclereose múltipla.
As pessoas que sofrem "são forçadas a tomar a solução mais rápida, que é a morte', criticou Polonia Castellanos, da associação Advogados Cristãos, em um protesto antieutanásia, erguendo um cartaz que criticava o "Governo da Morte".
A medida é rejeitada pela Igreja Católica, e sua aplicação levanta questões em alguns setores médicos.
A eutanásia "é sempre uma forma de homicídio, pois implica que um homem mata outro", afirmou a Conferência Episcopal Espanhola (CEE) em campanha nas redes sociais.
"Um médico não quer que ninguém morra. É o DNA do médico", disse a vice-presidente da Organização Médica Colegiada, Manuela García Romero, ao expressar dúvidas sobre a implementação da lei.
Além de Ramón Sampedro, outros casos tiveram forte impacto na Espanha nas últimas décadas, como o de Luis Montes, anestesista acusado de provocar a morte de 73 pacientes em estado terminal em um hospital de Madri e que foi dispensado por um tribunal em 2007.
Mais recentemente, em 2019, Ángel Hernández foi preso e aguarda julgamento por ajudar sua esposa a morrer. Ela vivia imobilizada por esclerose múltipla.
Antes da Espanha, onde o Parlamento aprovou nesta quinta-feira, 18, uma lei que reconhece o direito à eutanásia, vários países europeus já adotaram legislações a este respeito.
Eutanásia legal
Na Holanda, desde 2002, é permitido administrar um medicamento que cause a morte quando um paciente o solicita, com pleno conhecimento dos fatos, e se padecer de um sofrimento "insuportável e interminável" devido a uma doença diagnosticada como incurável. É necessária a opinião de um segundo médico.
A Holanda foi o primeiro país a autorizar, sob estritas condições, a eutanásia de menores a partir dos 12 anos. Em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal autorizou a eutanásia de pessoas com demência avançada, embora sem capacidades de reiterar sua demanda.
Em outubro, a Holanda anunciou que planeja legalizar a eutanásia para crianças com doenças terminais de 1 a 12 anos de idade.
A Bélgica também descriminalizou a eutanásia em 2002 sob condições estritamente definidas por lei. O paciente pode manifestar sua vontade em uma "declaração antecipada", válida por cinco anos, ou solicitá-la explicitamente, se tiver capacidade para fazê-lo.
Em fevereiro de 2014, a Bélgica se tornou o primeiro país a autorizar a eutanásia sem limite de idade para crianças com "capacidade de discernimento" que sofrem de uma doença incurável.
Desde março de 2009, a eutanásia é autorizada em Luxemburgo sob certas condições para pacientes idosos com doenças incuráveis.
Na Espanha, os pacientes atualmente têm o direito de recusar tratamento. A Câmara dos Deputados votou em dezembro de 2020 em primeira leitura o projeto de lei que reconhece o direito à eutanásia sob estritas condições, finalmente aprovado nesta quinta pelo Senado.
Em Portugal, a interrupção do tratamento só é permitida em alguns casos desesperadores. No entanto, no final de janeiro de 2021, o Parlamento votou uma lei autorizando a "morte medicamente assistida", mas o Tribunal Constitucional pediu uma revisão do texto em meados de março. O Parlamento pode alterar a legislação antes de reapresentá-la.
Na Itália, o Tribunal Constitucional descriminalizou o suicídio assistido (o próprio indivíduo toma a dose letal) em setembro de 2019, em condições estritas, apesar da existência de uma lei que o proíbe.
A Suíça permite o suicídio assistido e tolera a eutanásia indireta (tratamento do sofrimento com efeitos colaterais que podem levar à morte) e a eutanásia passiva (interrupção do dispositivo médico de suporte à vida).
Em 2005, a França instituiu o direito de "deixar morrer", que privilegia os cuidados paliativos, e em 2016 autorizou a "sedação profunda e contínua até a morte", que consiste em colocar para dormir para sempre pacientes incuráveis ou que sofrem muito sofrimento.
Na Suécia, a eutanásia passiva é legal desde 2010.
No Reino Unido, a interrupção do tratamento em alguns casos foi autorizada em 2002. Desde 2010, as ações judiciais contra pessoas que ajudaram um parente a cometer suicídio compassivo, se ele expressou claramente sua intenção, tornaram-se cada vez menos sistemáticas.
Na Alemanha e na Áustria, a eutanásia passiva é tolerada se o paciente assim o desejar. Em fevereiro de 2020, o Tribunal Constitucional alemão censurou uma lei de 2015 que proibia a assistência ao suicídio "organizado" por médicos ou associações.
Na Áustria, o Tribunal Constitucional decidiu em dezembro que o país viola a lei fundamental se considerar o suicídio assistido um crime, razão pela qual pediu ao governo que legisle antes de 2021 para revogar essa proibição.
Na Dinamarca, desde 1992, todo cidadão pode declarar por escrito sua rejeição à crueldade terapêutica.
A eutanásia passiva é autorizada na Noruega, a pedido de um paciente em estado terminal ou de um parente, se o paciente estiver inconsciente.
Na Hungria, os pacientes de doenças incuráveis podem recusar tratamento, enquanto na Lituânia a interrupção do tratamento para pacientes incuráveis é autorizada, como na Eslovênia.
Na Letônia, não há ações judiciais contra médicos que desconectaram um paciente em estado terminal, para evitar sofrimento.