Venezuela: a Corte assumiu as competências do Parlamento, o que a Assembleia denunciou nesta quinta como "um golpe de Estado" (Marco Bello/Reuters)
AFP
Publicado em 30 de março de 2017 às 21h16.
A crise na Venezuela cruzou novas fronteiras depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) assumiu as funções do Parlamento, decisão qualificada por sua ampla maioria opositora como "um golpe de Estado".
A seguir, cinco pontos-chave da situação:
O choque de poderes é constante desde janeiro de 2016, quando a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) assumiu o controle do Legislativo após 17 anos de hegemonia chavista.
O TSJ, acusado pela oposição de servir ao presidente Nicolás Maduro, declarou a Câmara em desacato e anulou todas as suas decisões, por ter empossado três deputados acusados de fraude eleitoral.
Na quarta-feira, a Corte assumiu as competências do Parlamento, o que a Assembleia denunciou nesta quinta como "um golpe de Estado".
A sentença "pulveriza a divisão de poderes", disse à AFP o analista Luis Vicente León, embora tenha recordado que, na prática, o TSJ já vinha exercendo funções legislativas.
Maduro, cuja gestão é rechaçada por sete em cada dez venezuelanos segundo as pesquisas, entregou seu relatório de trabalhos de 2016 para os magistrados, que também aprovaram o orçamento e validaram um estado de exceção e de emergência econômica ainda vigente.
A oposição voltou em 2016 a impulsionar um referendo revogatório contra Maduro, mas o processo foi suspenso em 20 de outubro pelo poder eleitoral, que alegou irregularidades.
Descartado o referendo, a oposição pediu a antecipação das eleições presidenciais, o que Maduro rejeita. Estas eleições estão marcadas para dezembro de 2018, enquanto as estaduais, previstas para o fim do ano passado, foram adiadas por prazo indeterminado.
Como requisito para futuras votações, o poder eleitoral - também acusado de ser um apêndice do Executivo - obrigou os partidos a recolher assinaturas para serem validadas.
Busca-se "fazer eleições para o governo", advertiu à AFP o cientista político Luis Salamanca.
O trâmite é recusado, inclusive, por pequenas organizações chavistas, ao considerar que acabará "ilegalizando-as".
A queda dos preços do petróleo desde 2014 prejudicou a economia venezuelana, que recebe 96% de suas divisas da exportação do produto.
O país teve que diminuir drasticamente as importações, causando uma escassez de todo tipo de bens, o que mantém debilitada a indústria local por falta de insumos. De acordo com estimativas privadas, a economia retrocedeu 11,3% em 2016.
O agudo desabastecimento é combinado com a inflação mais alta do mundo, que o FMI projeta em 1.660% para 2017.
Maduro atribui o colapso a uma "guerra econômica" de empresários e "poderes imperiais" que, segundo ele, promovem um boicote para impedir que o país consiga financiamento estrangeiro.
Precisamente, a sentença do TSJ autoriza o governo a assinar acordos econômicos sem a aprovação do Parlamento.
Após a fracassada tentativa de convocar o referendo, governo e oposição iniciaram um diálogo político em outubro com o acompanhamento do Vaticano e da União das Nações Sul-americanas (Unasul), mas a MUD o congelou em dezembro.
A aliança opositora acusou o chavismo de não cumprir com acordos como a definição de um calendário eleitoral e a libertação de uma centena de dissidentes presos.
Para o ex-candidato à presidência Henrique Capriles, o diálogo foi uma "armadilha" que desmobilizou a oposição quando eram realizadas grandes manifestações.
"Vimos uma encenação que buscava paralisar a pressão internacional, os protestos e defenestrar a oposição gerando custos muito elevados (pela perda do apoio popular)", declarou à AFP o analista Benigno Alarcón.
Cerca de 28.000 mortes violentas foram registradas no país em 2016 - 91,8 a cada 100.000 habitantes, taxa dez vezes maior do que a média mundial -, segundo a ONG Observatório Venezuelano da Violência (OVV).
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as denúncias de violações dos direitos humanos por parte da força pública, como execuções e invasões ilegais.