Brexit: o divórcio "não tem volta", alertou na quarta-feira a primeira-ministra britânica, Theresa May (Peter Nicholls/Reuters)
AFP
Publicado em 30 de março de 2017 às 13h19.
Última atualização em 30 de março de 2017 às 13h22.
O Reino Unido ativou nesta quarta-feira o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que prevê a saída de um país da União Europeia, mas a natureza irreversível desta "intenção" é controversa.
O divórcio "não tem volta", alertou na quarta-feira a primeira-ministra britânica, Theresa May, imediatamente após a UE receber a carta com a qual Londres lançou o processo de separação.
A cláusula de rompimento, que desde 2009 estabelece uma saída do bloco voluntária e unilateral, é concisa.
"Um Estado-membro que decida retirar-se deve notificar a sua intenção ao Conselho Europeu", indica o segundo ponto do Artigo 50. No prazo de dois anos, ambas as partes podem tentar chegar a um acordo de divórcio.
A Suprema Corte britânica indicou em janeiro que parte do princípio que a notificação é "irrevogável" e "não pode ser condicional".
Embora, para alguns, essa irrevogabilidade garanta que o Reino Unido não mudará de opinião durante as negociações, eles não descartam um possível passo atrás.
"Se o Reino Unido mudar de ideia, não poderá fazê-lo sozinho. Todos os outros Estados-membros da União devem decidir", declarou na quarta-feira o presidente do Parlamento, Antonio Tajani.
A Comissão Europeia, cujo negociador Michel Barnier irá conduzir as discussões em nome dos 27, também acredita que o processo, uma vez lançado, "não prevê a retirada unilateral da notificação".
A aparente controvérsia reflete uma ambiguidade política e jurídica sobre se os britânicos disseram adeus para sempre.
Um relatório da Comissão dos Assuntos Constitucionais do Parlamento sublinha que o Artigo 50 prevê, em seu último ponto, a possibilidade de voltar ao bloco.
Embora este parágrafo estipule que um país que tenha se retirado da União deva solicitar de novo a adesão, o relatório reconhece que não há nada no artigo que proíba formalmente um Estado em processo de divórcio de dar um passo atrás.
A princípio, "a análise do serviço jurídico do Conselho foi dizer que o Artigo 50 é irreversível", embora "tenha reconhecido ser possível considerar reversível em casos excepcionais", explicou à AFP um especialista europeu.
O redator do Artigo 50, o britânico John Kerr, também apoia esta hipótese.
"O fato é que o Artigo 50, que nasceu sob o título de 'retirada voluntária', não é um procedimento de expulsão", disse ele na Câmara dos Lordes, durante um debate no dia 12 de fevereiro.
"Se, depois de olhar para o abismo,mudarmos de opinião sobre a retirada, certamente poderíamos fazê-lo e ninguém em Bruxelas poderia nos parar", afirmou Lord Kerr.
Jean-Claude Piris, ex-diretor-geral dos serviços jurídicos do Conselho Europeu, recorda que o Artigo 50 evoca a "intenção" de um país de partir e não sua "decisão".
"Se as autoridades britânicas disseram: 'Não queremos mais', não podemos forçar um membro a sair", disse à AFP. "Minha tese é [que nestes casos], voltamos ao status quo".
A questão parece ser mais política do que jurídica. No momento, o clima no Reino Unido não deixa antever uma possível mudança de opinião. De acordo com uma pesquisa realizada pela YouGov, em 26 e 27 de março, 44% dos britânicos não lamentam a decisão de deixar o bloco, em comparação com 43% que o consideram uma má escolha.
"É atrevido pensar que a situação permanecerá estável", aponta Jolyon Maugham, um advogado que lançou uma ação legal na Irlanda e que espera obter o parecer do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a reversibilidade do Artigo 50.
Para Maugham, a opinião pública poderia expressar remorso quando o Brexit começar a ter consequências na vida cotidiana.
Todos concordam em dizer que, se for necessária uma reinterpretação do Artigo 50, o TJUE irá fornecê-la, "mesmo que uma das razões para a saída britânica é escapar de sua jurisdição", observam deputados franceses da Missão de Informação sobre o Brexit.