Tayyip Erdogan, presidente da Turquia (Umit Bektas/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 15 de abril de 2017 às 07h00.
Última atualização em 15 de abril de 2017 às 07h00.
São Paulo – O próximo domingo (16) será decisivo para a Turquia, que se prepara para conduzir um referendo constitucional que pode resultar nas maiores mudanças políticas já vistas desde a fundação do país em 1923.
A Turquia vive há meses momentos de turbulência em razão de uma tentativa de golpe por parte das forças armadas, que tentaram tomar o poder assumindo o controle de aeroportos e redes de televisão, além de bloquear pontes na capital Ancara e em Istambul. Essa tentativa, no entanto, foi rapidamente sufocada pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. (Relembre o caso)
Desde então, Erdogan vem agindo para fortalecer a figura do presidente em um país parlamentarista. Esse referendo é mais um reflexo disso. A consulta pública que será realizada neste final de semana foi primeiro anunciada em dezembro do ano passado, mas aprovada pelo parlamento em janeiro de 2017, após obter três quintos dos votos de seus membros.
Com quase 80 milhões de habitantes, a Turquia tenta há décadas fazer parte da União Europeia, com quem tem uma relação desgastada, e é uma peça importante no combate ao grupo Estado Islâmico (EI) na Síria e Iraque. A aprovação da proposta, portanto, pode trazer impactos significativos para seus cidadãos e o mundo. Entenda os pontos principais:
O país está em estado de emergência desde meados do ano passado, quando os militares tentaram assumir o poder no país, derrubando Erdogan, que é conhecido pelo trato “rígido” com seus opositores e é ainda ligado ao partido islâmico- conservador AKP.
As origens dessa tentativa até hoje não foram totalmente desvendadas, já que, momentos depois da retomada de controle de Ancara e Istambul pelo governo, apoiado por outros grupos dentro das forças armadas, tanto a oposição quanto a população apoiaram Erdogan. Para o político, no entanto, o responsável por essa tentativa tem nome e sobrenome: o clérigo Fethullah Güllen, líder do movimento Hizmet. Güllen nega todas as acusações.
Além da insegurança institucional, o país vive ainda o temor de ataques terroristas por parte do grupo Estado Islâmico, que tenta estabelecer um califado na Síria e Iraque, e rebeldes curdos. No réveillon do ano passado, por exemplo, o EI conduziu um atentado em uma das boates mais badaladas de Istambul, Reina, no qual 39 pessoas foram mortas.
Dentro de todo esse contexto de insegurança, essa consulta tem como objetivo submeter ao crivo popular uma reforma constitucional que, entre outras modificações, transformará o país, hoje parlamentarista, em presidencialista e procura fortalecer a figura do presidente, eliminando o cargo de primeiro-ministro.
Neste domingo, portanto, os turcos têm duas opções: o voto “sim”, que seria pela aprovação dessa reforma, e o “não”, que significaria a sua derrota.
Ao todo, são 18 alterações constitucionais. A principal delas é a ampliação dos poderes de Erdogan, que poderá nomear ministros e designar vice-presidentes. Além disso, também poderá interferir no Poder Judiciário.
Aquele que ocupar o cargo de presidente não precisará mais ser “neutro” do ponto de vista político. Hoje, não é possível que Erdogan seja presidente e continue com sua filiação partidária. Com a proposta, não haverá mais essa proibição.
Outra mudança significativa será no Parlamento, que passará de 550 para 600 membros. A idade mínima para ser deputado baixará de 25 para 18 anos e as eleições irão acompanhar as eleições presidenciais de cinco em cinco anos.
O projeto estabelece, ainda, que as próximas eleições sejam realizadas em 2019, prevê impeachment e apenas uma possibilidade de reeleição para o presidente, cujo mandato será de cinco anos. Aqui, no entanto, há um ponto crucial: Erdogan não seria afetado, poderia concorrer novamente e lutar pela reeleição.
O atual presidente assumiu o cargo em 2014, depois de passar 12 anos como primeiro-ministro. A alteração, portanto, pode fazer com que Erdogan permaneça no poder até 2029.
De acordo com aqueles que apoiam as alterações constitucionais, grupo essencialmente formado pelos membros do partido de Erdogan, AKP, a proposta fortalecerá a unidade na Turquia, facilitando a ação do governo em temas que variam desde políticas econômicas até o combate ao terrorismo.
Alegam que o novo sistema trará elementos suficientes capazes de manter o equilíbrio entre os poderes, especialmente por conta da possibilidade de o presidente ser removido via impeachment e de convocação de novas eleições.
Especialmente aqueles que fazem parte dos partidos de oposição a Erdogan, o Partido Republicano do Povo (CHP) e o Partido Democrático dos Povos (HDP).
O principal argumento contra a proposta é o de que o fortalecimento da figura do presidente poderá levar o país rumo ao autoritarismo. Consideram essas mudanças especialmente graves em se tratando de Erdogan, que acusam perseguir opositores, reprimir a liberdade de imprensa e de expressão.
Lembram, ainda, que esse referendo acontece em um momento delicado para o país, por conta do contexto da tentativa de golpe e o violento expurgo conduzido pelo governo contra aqueles que acusam de ter orquestrado esse episódio.
Estão apertadas e a previsão é a de que qualquer vitória seja acirrada. Os números vêm mudando diariamente, mas as últimas projeções mostram que o “sim” pode prevalecer.
Segundo a agência Reuters, em análise divulgada no fim da última semana, a pesquisa conduzida pela consultoria Konda prevê a vitória das alterações com 51,5% dos votos, mas conta com uma margem de erro de 2,4%,
Já a Gezici divulgou 51,3% de votos pelo “sim” contra 48,7% pelo “não” e alertou que muitas pessoas recusaram a se manifestar sobre o tema.
Nada boa. A relação entre o bloco europeu e o presidente Erdogan nunca foi das melhores, mas piorou depois que a UE intensificou as críticas contra o governo por conta da forma como “lidou” com a tentativa de golpe.
Um dos pontos que causaram ainda mais tensão entre as partes foi a tentativa da Turquia de voltar a usar a pena de morte para condenar aqueles acusados de participação no episódio. Após a UE se manifestar que essa restituição atrapalharia o processo de entrada do país no bloco, o governo turco recuou.
Contudo, os ânimos voltaram a se agitar nas últimas semanas, quando políticos turcos favoráveis ao pacote de mudanças foram impedidos de discursar sobre o assunto na Holanda e na Alemanha, que disseram ter suspendido os comícios por “questões de segurança”.
Mas os imbróglios diplomáticos poderiam ter terminado aí se Erdogan não tivesse optado por desferir duras críticas aos europeus, chegando a acusar o governo alemão de “agir como nazistas”.