Cartazes pelo "Sim" e pelo "Não" em referendo sobre o aborto na Irlanda: votação acontece nesta sexta-feira (Max Rossi/Reuters)
Gabriela Ruic
Publicado em 25 de maio de 2018 às 11h39.
Última atualização em 25 de maio de 2018 às 11h47.
São Paulo – Os eleitores da Irlanda vão às urnas para votar em um referendo que poderá legalizar o aborto no país, que tem uma das leis mais severas sobre o tema na Europa e é também um dos mais católicos do mundo . A consulta é mais um marco histórico para os irlandeses, que em 2015 fizeram do país o primeiro do planeta a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo por vontade popular.
A votação acontece durante toda a sexta-feira, 25, e a contagem dos votos começará neste sábado, 26. Abaixo, EXAME listou alguns pontos essenciais para entender o que essa votação significa para o país e o mundo.
O referendo coloca em jogo a 8ª emenda da Constituição do país, que garante o direito à vida para a mãe e o feto ou embrião. O texto legal diz o seguinte: “O Estado reconhece o direito à vida do feto e, com o devido respeito ao igual direito à vida da mãe, garante em suas leis o respeito e, na medida do possível, a defesa e reivindicação desse direito. ”
Essa emenda foi incluída à carta magna irlandesa em 1983, também por meio de um referendo. Agora, em 2018, os eleitores votarão “Sim” se desejarem derrubá-la e “Não” para mantê-la como está.
Essa emenda proíbe o aborto em quase todas as circunstâncias, mas não é exaustiva. Mais tarde, em 1992, depois de um novo referendo, outras duas emendas à Constituição foram introduzidas e que viriam a flexibilizar de certa forma o acesso ao procedimento, a 13ª e a 14ª.
A 13ª prevê que a proibição do aborto não poderá limitar a liberdade da gestante em viajar para fora da Irlanda. Já a 14ª dispõe sobre o livre acesso a informações sobre o aborto em outros países. Desde então, 170 mil irlandesas abortaram no exterior.
Há, ainda, uma outra lei que prevê a possibilidade de aborto em hipóteses nas quais a vida da mãe está em risco, inclusive se tal risco estiver relacionado ao estado mental da gestante, como a possibilidade de que ela possa tirar a própria vida.
Agora, quando o procedimento é realizado fora das previsões legais, tanto a mãe quanto qualquer outra pessoa envolvida na decisão e no ato, como os médicos, podem ser condenados a até 14 anos de prisão. E isso mesmo em casos de estupro, incesto ou má-formação que possa causar a morte do feto.
Entre os 28 países da União Europeia, apenas Malta tem uma legislação mais severa que a da Irlanda, que também é um dos poucos países do mundo que conta com uma proibição constitucional sobre o tema.
Se em 1983 a Igreja Católica na Irlanda foi uma das grandes articuladoras da 8ª Emenda, em 2018 se viu adotando uma postura mais cautelosa ante o tema. Movimentações começaram apenas alguns dias antes da realização do referendo, segundo informou a agência Reuters, mas foram duramente criticadas.
Até mesmo os grupos envolvidos na discussão evitaram trazer à tona dogmas religiosos durante suas campanhas. “Dizer aos eleitores que votar de uma maneira apenas porque Deus quer assim não é um argumento vencedor para nenhum dos lados”, disse um dos articuladores da campanha do “Não” à Reuters. “As campanhas estão mais seculares”, continuou ele.
Atualmente, quase 80% da população se designa como católica e a Irlanda sempre foi mais conservadora que seus pares europeus quando o tema é liberdade individual. Ainda assim, debates recentes, tanto pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo quanto pelo aborto, mostram como a influência religiosa não é tão relevante como antigamente.
O total do eleitorado é de 3,2 milhões de pessoas. Segundo informações do jornal Irish Times, o comparecimento às urnas, até o momento, está alto e os números sugerem, inclusive, um comparecimento maior do que o observado no referendo do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015.
Se em 2015, 62% dos eleitores votaram pela legalização do casamento gay, agora, em 2018, a expectativa é a de que o resultado mais apertado. Uma pesquisa de opinião recente mostrou que 56% os eleitores são favoráveis à queda da 8ª Emenda e 27% deles querem mantê-la vigente. O problema para ambos os lados, no entanto, é a quantidade de eleitores indecisos, que está em 14%.
O governo do primeiro-ministro Leo Varadkar (que pertence ao Fine Gael, partido democrata-cristão, e sempre se manifestou favorável à queda da 8ª Emenda) já tem uma lista de alterações que serão feitas. Duas delas: liberdade para realizar o procedimento durante as 12 primeiras semanas da gestação e até os 6 meses em algumas circunstâncias.
Com a vitória do “Sim”, o texto da 8ª Emenda será substituído pelo seguinte: “Provisões podem ser feitas por leis para a regulamentação da interrupção da gestação”. Isso abrirá caminho para a lei seja submetida para aprovação no parlamento.
Há, no entanto, um obstáculo: segundo fontes ouvidas pelo jornal britânico The Guardian, se o “Sim” vencer por uma margem menor de 5% dos votos, é possível que as reformas não sejam aprovadas com tanta facilidade.
Neste caso, nada. A previsão é a de que não sejam feitas alterações às leis vigentes, seja para torná-las mais flexíveis ou mais rígidas.
De acordo com números do Centro de Direitos Reprodutivos, uma organização não-governamental que luta pela saúde reprodutiva das mulheres em todo o mundo, ao menos 60 países oferecem o acesso legal ao procedimento, como os Estados Unidos, o Uruguai, a África do Sul, além da maioria dos países na Europa, a Turquia e a China. Ainda segundo a entidade, 60% da população mundial vive em países com leis permissivas.