Protesto contra reforma tributária em Bogotá. (Luisa Gonzalez/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de maio de 2021 às 16h23.
Última atualização em 4 de maio de 2021 às 16h36.
A Colômbia passa por um período de forte turbulência social desde a última semana, quando massivos protestos populares foram convocados após a apresentação de um projeto de reforma tributária pelo governo de Iván Duque ao Congresso.
A proposta foi apresentada ao Congresso no dia 15 de abril como medida para financiar os gastos públicos na quarta maior economia da América Latina e visava aumentar a base de arrecadação do imposto de renda e aumentar impostos sobre serviços básicos e IVA. Ela foi considerada muito onerosa para a classe média e imediatamente rechaçada por sindicatos, movimentos sociais e diversos setores da sociedade.
Confrontos foram relatados durante alguns protestos pelo país, principalmente em Cali, que se tornou o epicentro do embate entre policiais, militares e manifestantes. Levantamentos de autoridades nacionais e da ONU falam eme 19 mortos — entre eles um policial — e pelo menos 800 feridos até esta terça-feira, 4.
O governo criticou a violência nos protestos e autoridades denunciam uma suposta participação de dissidentes guerrilheiros e grupos criminosos nos atos. Cali e regiões adjacentes foram militarizadas em operação para tentar garantir a ordem, mas o uso excessivo de força vem sendo denunciado por observadores internacionais e pelos próprios colombianos por meio das redes sociais.
Na sexta-feira, Cali foi a primeira cidade militarizada, em meio a excessos à margem de protestos pacíficos. Em Bogotá e Medellín os prefeitos da oposição rejeitaram a oferta de militarizar suas cidades. Ainda assim, soldados patrulham a capital por ordem presidencial.
Com o aumento da repressão e a insatisfação popular, os protestos continuam e um novo ato nacional já foi convocado para a quarta-feira 5, mesmo após o pedido de demissão do ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, e da decisão de Duque de retirar o projeto original de votação no Congresso.
O presidente colombiano já fala em um novo projeto que tenha aceitação. A nova proposta, compartilhada com partidos políticos setor privado e sociedade civil, se concentrará em taxar temporariamente as empresas e as classes sociais mais abastadas. Entre outras coisas, a reforma terá uma tarifa temporária sobre a renda das empresas, um imposto sobre o patrimônio, os dividendos e pessoas de maior renda, assim como a aposta em aprofundar programas de austeridade do Estado.
Manifestantes tomaram as ruas das principais cidades da Colômbia desafiando as regras de distanciamento social impostas em razão da pandemia de covid-19 e as forças de segurança do governo, após o presidente Iván Duque apresentar uma proposta de reforma tributária ao parlamento colombiano na semana passada.
Sindicatos trabalhistas, professores, organizações civis, indígenas e outros setores inconformados com o projeto de reforma, considerada muito onerosa para a classe média e inadequada em meio a um grave momento da pandemia de covid-19 no país, convocaram protestos em cidades como Bogotá, Barranquilla, Medellín e Cali — esta última que se tornou o epicentro dos confrontos entre policiais, militares e manifestantes.
Os primeiros atos foram realizados na quarta-feira, 28. Grandes marchas e carreatas foram realizadas em várias cidades, mas atos de violência, vandalismo e confrontos com a polícia também foram registrados.
Em Cali, onde os confrontos têm tido uma maior intensidade, uma pessoa morreu "em atos relacionados à manifestação", segundo o prefeito Jorge Iván Ospina, logo no primeiro dia de protestos.
De acordo com um balanço da Defensoria do Povo, 18 civis e um policial morreram em seis dias de protesto. O Ministério da Defesa divulgou, por sua vez, que 846 pessoas ficaram feridas nos tumultos, sendo 306 civis.
A proposta apresentada por Duque pretendia arrecadar cerca de 6,3 bilhões de dólares (34,43 bilhões de reais) entre 2022 e 2031. Segundo o reitor de economia da Universidade do Rosário, Carlos Sepúlveda, a proposta buscava reverter o modelo atual, onde 70% do imposto de renda vem das pessoas jurídicas e 30% das pessoas físicas.
Para isso, o projeto propunha a ampliação da base de contribuintes, a elevação de impostos, redução de isenções fiscais e aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de alguns produtos.
Especialistas concordam que a classe média seria a mais punida pela reforma, principalmente em meio à pandemia e a um momento de crise econômica.
Para ampliar a base de contribuintes, o projeto original previa a cobrança de imposto de renda para pessoas que ganhem mais do que 656 dólares por mês (3.585,43 reais mensais) em um país onde o salário mínimo é de 248 dólares (1.345,57 reais). Atualmente, só é tributado quem recebe acima de 1.000 dólares por mês (5.465,60 reais). A reforma também criaria um imposto sobre riqueza para as pessoas físicas, quando seus ativos líquidos ultrapassassem 1,3 milhão de dólares (7,11 milhões de reais).
Outro aspecto polêmico foi o aumento de impostos indiretos. O IVA da gasolina, por exemplo, passaria de 5% para 19%, e os impostos sobre serviços básicos aumentariam em áreas de classe média alta. Até a taxação sobre funerais seria aumentada.
No caso das empresas, a reforma criaria uma sobretaxa de 3 pontos percentuais sobre o imposto de renda e uma alíquota menor para os pequenos negócios.
Para equilibrar o saldo, o governo considerava aumentar seu investimento social. A proposta original incluía um capítulo para estender os subsídios mensais para as famílias mais pobres com renda entre 22 e 100 dólares (120,24 e 546,56 reais), dependendo do número de pessoas.
Com as manifestações, Duque voltou atrás e anunciou, no dia 30 de abril, que faria uma revisão da reforma para não penalizar a classe média. Com a continuidade dos protestos, o presidente solicitou a retirada do texto da tramitação no Legislativo. Na segunda-feira, 3, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, demitiu-se do cargo.
Desde o início das manifestações, o presidente Iván Duque classificou os atos como "terrorismo urbano de baixa intensidade", conforme registro do jornal colombiano El Tiempo. A publicação afirma ainda que "a sistematicidade e a beligerância dos ataques levaram as autoridades locais e nacionais a assinalar que existe infiltração de protestos legítimos por parte de organizações criminosas".
O ministro da Defesa colombiano, Diego Molano, também se posicionou, afirmando que dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão por trás dos excessos. Apenas para a cidade — terceira mais populosa do país — a Defesa enviou cerca de 3.000 soldados para conter os tumultos que se seguiram aos protestos.
Em entrevista a uma rádio colombiana, a governadora do Departamento de Valle del Cauca, Clara Luz Roldán, afirmou, na semana passada, que iria "militarizar a cidade, porque infelizmente as pessoas que saíram para fazer a manifestação pacífica não estão mais nas ruas, os vândalos estão roubando e atacando."
Após a convocação de um conselho extraordinário de segurança no dia 30 de abril, Molano informou sobre a prisão de 30 pessoas e a expulsão de seis venezuelanos "comprometidos em atos violentos de protesto" na cidade. "Identificamos que os acontecimentos violentos em Cali foram premeditados, planejados e patrocinados por organizações criminosas", acrescentou, sem dar mais detalhes.
A repressão aos movimentos sociais contrários à reforma tem sido alvo de questionamento e crítica por parte de observadores internacionais. O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, condenou, nesta terça-feira, o "uso excessivo da força" contra os manifestantes.
"Estamos profundamente alarmados pelos acontecimentos ocorridos na cidade de Cali, na Colômbia, na noite passada, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes que protestavam contra a reforma tributária, matando e ferindo várias pessoas, segundo a informação recebida", declarou Marta Hurtado, porta-voz do escritório em Genebra.
Hurtado também pediu calma antes de um novo dia de protestos, previsto para quarta-feira, 5, e frisou que o Estado e os agentes públicos devem proteger direitos humanos como a liberdade de reunião pacífica, respeitando os princípios da legalidade, precaução e proporcionalidade, ao monitorar as manifestações. "Armas de fogo podem ser usadas apenas como último recurso diante de uma ameaça iminente de morte, ou de lesões graves."
O diretor da ONG Human Rights Watch na América, José Miguel Vivanco, também demonstrou preocupação com a escalada da violência no país. Vivanco confirmou a autenticidade de um vídeo que um homem é morto após agredir um policial em Cali. Após chutar um policial que estava em uma moto, Marcelo Agredo Inchima é baleado duas vezes pelas costas.
Vivanco informou que a ONG está recebendo relatos confidenciais de violações de direitos humanos durante os protestos na Colômbia, enquanto denúncias se multiplicam nas redes sociais. As tags "Colômbia" e "#SOSColômbia" alcançaram os trendtopics mundiais do Twitter na madrugada desta terça-feira.
Um dos vídeos, compartilhado pelo jornalista americano Dan Cohen mostra um policial executando um civil que caminhava pela calçada. Outros perfis na rede denunciaram brutalidade policial contra manifestantes, e acusaram o governo de estar promovendo um "massacre" no país.