Colômbia: especialistas não descartam erros de engenharia e planejamento ou política de redução de custos em obra (Rusty Jarrett/Getty Images)
AFP
Publicado em 17 de maio de 2018 às 19h19.
A obra projetada para ser o orgulho da Colômbia começa a virar água. Uma suposta falha geológica mantém em alerta mais de 130 mil pessoas e o maior projeto hidrelétrico da Colômbia, previsto para atender a quase um quinto da demanda energética do país.
Embora seja cedo para chegar a conclusões, especialistas não descartam que erros de engenharia e planejamento, ou até que uma política de redução de custos no projeto, tenham ameaçado uma obra iniciada em 2010, com investimentos que superam os 3 bilhões de dólares e que envolve 12 municípios do noroeste colombiano.
A emergência teve início há duas semanas, quando um deslizamento de terra bloqueou o túnel de desvio do rio Cauca, segundo maior do país, que alimenta a hidrelétrica Hidroituango. Isso levou o reservatório a encher sem estar concluído, até a altura do aterro, por onde o canal deveria seguir.
A Empresas Públicas de Medellín (EPM), principal sócia do projeto, acelerou os trabalhos para a estrutura chegar ao nível do aterro e permitiu que a sala de máquinas fosse usada como um conduto de desague.
Mas antes de conseguir fazer isso, no sábado, a força da água inundou o túnel de desvio, provocando um crescimento violento do nível do afluente.
Até esta quinta-feira, cerca de 5 mil pessoas tinha sido evacuadas de locais como Puerto Valdivia, no departamento de Antioquia (noroeste), a 40 km da represa.
No fim de semana, 200 mil m³ de terra verteram para o túnel de desvio descoberto, disse Jorge Londoño, gerente da EPM.
O quarto de máquinas voltou a ser a única saída de água e, nesta quarta-feira, aparentemente devido a um colapso interno, ele teve um bloqueio temporário e explosões esporádicas de água.
"Se (o quarto de máquinas) chegar a colapsar, ameaçaria seriamente gerar um aumento significativo de descontrolado do leito do rio Cauca", explicaram o governador de Antioquia, Luis Pérez, e o prefeito de Medellín, Federico Gutiérrez.
Em uma carta enviada ao presidente Juan Manuel Santos, ambos mandatários pediram ajuda diante de uma situação que classificaram como "crítica" e que põe em "risco" especialmente os municípios de Puerto Valdivia, Tarazá, Nechí, Cáceres, Caucasia e a região de La Mojana - que somam cerca de 120 mil habitantes.
Os especialistas concordam que, se a água ultrapassar a barragem, a 220 metros de altura, ela poderá erodir e vir abaixo, arrastando o rio e centenas de toneladas de material.
"Estamos em alerta máximo", disse Londoño, que descreveu "o pior cenário": o colapso da obra, que poderia afetar quatro departamentos.
Os esforços da EPM visam aumentar a altura da barragem para desviar a água através do aterro, acrescentou o gerente.
As chuvas na região complicam ainda mais o trabalho.
O especialista em geologia e engenharia José Hilario López escreveu ao jornal El Mundo de Medellín que "muito provavelmente" a causa deste "acidente" é atribuir custos menores nos projetos e na execução do trabalho.
Contudo, a EPM garante que a emergência é resultado de uma "condição geológica imprevisível".
A empresa defendeu o planejamento e execução do projeto, que segundo especialistas iniciou em 2015 uma "etapa de aceleração" para cumprir a data de entrega, em junho, dois meses antes de Santos deixar o poder.
As obras estão a cargo do consórcio CCC Ituango, integrado pela construtora brasileira Camargo Corrêa (55%) e as colombianas Conconcreto (35%) e Coninsa-Ramón H (10%).
O grupo venceu uma licitação internacional em 2012 para a construção da represa, do aterro, dos túneis de condução, das estruturas de captação, dos túneis de descarga e da casa de máquinas.
No Brasil, a Camargo Corrêa também foi alvo das investigações da Operação Lava Jato.
Eudes Areison e seus parentes fazem parte das cem famílias evacuadas no sábado em Puerto Valdivia. Eles fugiram montanha acima quando rio Huyeron alcançou as paredes rosas de sua casa simples.
"Estávamos aqui tranquilos em casa porque já tínhamos falado com os bombeiros, e eles diziam que isso não era grande coisa (...). De uma hora para outra, a casa estava inundada", disse à AFP o colombiano de 30 anos.
Agora, ao lado de outras famílias, foi às estradas principais em busca de ajuda e responsabilizando a EPM pelos danos.
"Eles ignoraram o que os camponeses e o povo do campo disseram, que são quem conhece o território (...). Pela ânsia de gerar energia rapidamente, olha o que aconteceu", disse Genaro Graciano, do movimento Rios Vivos Antioquia, contrário à hidrelétrica.
Esta organização social e ambiental denunciou o assassinato de quatro ambientalistas que se opõem ao Hidroituango desde o início do trabalho.
Além da rejeição de moradores, um grupo de 25 eurodeputados pediu recentemente a suspensão da construção da usina hidrelétrica para recuperar corpos de vítimas do conflito armado antes de encher o reservatório.
O gerente da EPM garantiu que todos os casos de corpos foram resolvidos. Londoño também indicou que a empresa realiza um censo de vítimas. Além disso, garantiu subsídios e moradia para os afetados.